Por Francisco Xavier Gomes
CACOAL: OS VEREADORES, OS DEUSES E O ASTROLÁBIO…
O encerramento do mandato dos vereadores dessa legislatura caminha mesmo para um fim melancólico, o que não representa nenhuma novidade, uma vez que as lambanças registradas nesses quatro anos se tornaram a marca do legislativo obediano. Obviamente que nossos edis não podiam fechar a inditosa atuação, sem que houvesse a última das lambanças, que responde pelo nome de Projeto 05/2024. Por algumas razões bem plausíveis, a intenção de voltar ao tema estava descartada, mas, em virtude de alguns impropérios proferidos por atores deste episódio, tornou-se necessário fazer outros esclarecimentos, objetivando que as gazopas legislativas não sejam assimiladas pela plebe ignara, como se fossem verdades. Se há uma verdade que precisa ser registrada, é que, em quatro anos de mandato, a única vez que os vereadores de Cacoal tentaram fazer alguma alteração na obsoleta Lei Orgânica de Cacoal foi exatamente para piorar o diploma, se é que há possibilidades cabíveis para isso. Mas o projeto 05/2024 é sintomático…
Inicialmente, cabe lembrar que nossos edis têm o hábito de invocar o nome de Deus em todas as aberturas de sessões, com leituras de trechos da bíblia, ainda que eles ignorem completamente o teor dos versículos lidos nessas ocasiões. Eles dizem que atuam no legislativo municipal, chamado por eles de “parlamento”, em nome de Deus. É difícil saber qual é o deus dos vereadores… Aliás, isto lembra muito um belo filme exibido na década de 80, época da elaboração da Lei Orgânica de Cacoal. O filme, intitulado “Em Nome de Deus”, conta a história de um amor proibido, do século XII, que acaba gerando um filho. Na história, um filósofo muito famoso é contratado para ser o tutor de uma bela jovem, mas acabam se apaixonando e a coisa não acaba bem, em função do nascimento de Astrolábio, o fruto da relação proibida. A situação é muito semelhante à dos nossos edis, porque eles foram contratados, em 2020, para zelarem pelo patrimônio do município e cumprirem as leis em vigor, mas acabaram se apaixonando pelas benesses e sinecuras. O resultado desse amor proibido foi o nascimento do projeto 05/2024, cujo teor é completamente proibido pela legislação em vigor, mas os vereadores e também o Procurador Geral da Câmara de Cacoal juram que há algum vestígio de legalidade na matéria.
Assim, após uma publicação da semana passada, na qual estão registrados todos os motivos que indicam a ilegalidade do projeto, os atores da ilegalidade resolveram reclamar nas redes sociais. O Procurador Geral declarou, para uma administradora de um grupo de zap, que o texto era “tendencioso”, enquanto o vereador Edimar Kapiche registrou um longo texto em um grupo, afirmando que o texto era “equivocado”. Tendencioso é qualquer profissional do Direito que emite um “parecer” dizendo que o Tribunal de Contas de Rondônia tem legitimidade para alterar a legislação eleitoral, porque qualquer estudante do 1º período de Direito sabe que as leis eleitorais são elaboradas pelos deputados federais e senadores; não pelo TCE/RO, e muito menos pelos vereadores de Cacoal. Equivocado é qualquer vereador que usa as redes sociais para proferir inverdades descabidas sobre o mesmo tema. As normas que regem a eleição deste ano, proíbem a cessão de qualquer tipo de vantagem a agentes públicos, em atos praticados seis meses antes da eleição, até a data da posse dos eleitos. Considerando que a eleição ocorreu em seis de outubro, esse projeto somente poderia ter sido aprovado, para surtir efeitos legais, até os primeiros dias do mês de abril. Além disso, os efeitos não valem para os vereadores dessa legislatura e todos os vereadores sabem disso, assim como o Procurador Geral deveria saber.
A posse dos eleitos já ocorreu? Lógico que não!! Ocorrerá em primeiro de janeiro. Então, somente a partir do dia 2 de janeiro de 2025, é que essa matéria poderia ser discutida e votada para que seus efeitos não sejam nulos, como estabelece a Lei de Responsabilidade Fiscal. Isso está escrito claramente no Art. 21, da citada lei, mas os pais do Astrolábio cacoalense ignoraram. Assim, é realmente muito complicado compreender como é que nossos edis agem em nome de Deus. Qual será o deus que inspira tantos absurdos jurídicos? Talvez Albert Camus possa responder aos vereadores… Na postagem que fez em um grupo de zap, o vereador Edimar Kapiche argumentou, ainda, que o projeto não trata de aumentar o salário dos vereadores. Sim! O Astrolábio parido pelos vereadores trata de duas questões: o 1/3 de férias dos vereadores e a alteração da data para que o aumento dos subsídios possa ser votado. O outro passo seria aumentar os subsídios. Não é possível que o vereador Kapiche tenha votado a favor desse projeto, sem ter lido sequer a síntese. É evidente que a alteração da data, feita pela Câmara de Cacoal, não tem nenhuma legalidade, mas os vereadores imaginam que sim, que eles podem alterar o Calendário Eleitoral do Brasil; a Lei de Responsabilidade Fiscal, as resoluções do TSE… Não podem! Claro que não!!!
O “parecer jurídico” anexado no projeto é tão inepto que certamente nem o procurador acredita naquilo, mas pode ter feito sob pressão. É muito estranho que somente o vereador Paulo Henrique tenha percebido tanta ilegalidade, porque ele votou contra a aprovação da matéria, além do vereador Toninho do Jesus que se absteve, conduta também correta. Todos os outros 10 vereadores votaram pela aprovação da matéria. Isso é uma vergonha! Felizmente, para o bem do bom direito, e para a saúde do erário obediano, é evidente que o Tribunal de Contas de Rondônia não vai engolir esse tipo de aberração jurídica. Assim, diferentemente do filme citado em epígrafe, o Astrolábio de Cacoal tem tudo para ser abortado, porque não há como conceber tantos equívocos, isso para ser eufemista… Tenho dito!!!
FRANCISCO XAVIER GOMES
Professor da Rede Estadual e Jornalista