A maioria dos brasileiros talvez nem saiba quem foi Elis Regina, a brilhante interprete que emprestou sua belíssima e inconfundível voz para o compositor, igualmente genial, Antônio Belchior, no ano de 1976, quando ficou imortalizada a canção “Como Nossos Pais”. O fato de Elis e Belchior terem caído no esquecimento, em virtude da desinformação e do obscurantismo da geração que ouve somente os tais MC´s não significa que sejamos obrigados a abrir mão de aludir a esses dois nomes que ajudaram a fazer a música e a arte brasileira ganharem destaque mundial, mesmo nos tempos de chumbo, quando governava o país o principal genocida dos generais da ditadura. Então, considerando que no próximo domingo o Brasil vai “comemorar” o Dia dos Pais, talvez seja muito importante que Nossa Urbe Obediana faça uma reflexão sobre aquilo que disseram Elis e Belchior na fantástica canção…
Atualmente a arte brasileira tem sido alimentada por uma gigantesca nuvem de desinformação, propagada por muitos prosélitos da poesia pobre e de arrivistas da música, que se aventuram a tentar impor a pornografia como música meramente mercantilizada, recheada de rimas pobres e que estão muito aquém da qualidade de compositores e intérpretes como Belchior e Elis, além de inúmeros outros. Por esta razão, é muito difícil encontrar uma canção atual que possa servir de homenagem aos pais brasileiros, principalmente neste período pandêmico em que milhares de pais e filhos foram a óbito por clara negligência do governo brasileiro, seguida à risca pelos governantes de vários estados, como é o caso de Rondônia. Assim, podemos afirmar, sem medo de errar, que vários versos de Belchior já não cabem nesta geração. Elis e Belchior diziam que “… nós ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais…” Infelizmente, isto deixou de ser verdade, faz tempo!! Hoje são raros os filhos que vivem como os pais, visto que a desinformação ganhou um espaço jamais ocupado por gerações passadas…
Como Cacoal é um polo do ensino superior, certamente tem a obrigação de resgatar, através do universo acadêmico, a boa música, os livros, a poesia, o teatro e outras atividades. Se considerarmos a música brasileira produzida nos últimos 20 anos, qual seria a canção indicada para homenagear os pais? Nenhuma!! A produção é paupérrima!! A canção denominada “Pai”, de Fábio Júnior, é do ano de 1979. E esta situação não é particularidade dos pais. Não há boas canções para mães, pais, filhos, avós,bisavós, tataravós… Este ano, além da evidente falta de uma canção que possa homenagear os pais brasileiros, ainda há a grave crise sanitária imposta pela covid-19. Não há como afirmar, com certeza, quantos pais no Brasil morreram vítimas da covid-19. E não sabemos quantos ainda irão morrer. Qual é a motivação que existe para comemorar o Dia dos Pais? É dizer que, apesar da covid-19, muitos não morreram? E o que dizer aos órfãos, viúvas e outros parentes das vítimas que foram enterradas em consequência da covid-19? E qual seria o presente ideal para os que ficaram vivos? Claro que são duas doses de vacina!! Como bem disse Belchior, na canção: “Viver é melhor que sonhar”… A vacina é sinônimo de vida, num pais em que o governo brasileiro faz de tudo para boicotar a compra de vacinas. Talvez o próprio Renato Russo, na belíssima canção “Pais e Filhos”, lançada em 1989, já profetizara condutas negacionistas, ao usar os versos “…Me diz por que o céu é azul/Explica a grande fúria do mundo”…
O momento realmente não é propício para comemorações; o momento também não é propício para a arte; o lixo literário se impõe; no estado, o governo determina a queima de livros, de obras clássicas; no cenário nacional, o Ministério da Cultura foi extinto… É como disse Drummond de Andrade, no genial poema “E agora, Jose?”, publicado quando o mundo vivia a Segunda Guerra Mundial, em 1942. Infelizmente a geração que conhece apenas MC não sabe quem foi Drummond e muito menos sabe da composição aludida. Elis, Belchior, Renato Russo, Drummond estão todos mortos e os pais brasileiros continuarão à espera de uma canção, de uma poesia, de um verso que esteja à altura do que merecem os pais deste pais… “E agora, Josés”???
Finalmente. Seguiremos na torcida para algum MC consiga compor, ainda que seja pela via da psicografia, uma canção para os nostálgicos pais que hoje lutam bravamente contra a covid-19, contra o negacionismo, contra os excrementos musicais… Todavia, apesar de tudo, ainda há espaço para registrar um grande abraço para os pais que estão vivos e registrar nossa total solidariedade a todos os pais que infelizmente foram vitimados pela covid-19. Embora sejam raros os espaços, ainda há tempo e espaço para dizer muito obrigado a Renato Russo, Elis Regina e Belchior… Tenho dito!!!
FRANCISCO XAVIER GOMES
Professor da Rede Estadual e Articulista