A proposta do presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), Bruno Dantas, de que novas mudanças nas regras da Previdência Social comecem pelos militares, colocou a cúpula das Forças Armadas em alerta.

Assuntos ligados a mudanças na remuneração de militares inativos são considerados sensíveis e motivo de preocupação no comando.

Os militares temem serem alvos prioritários no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em mudanças no SPSMFA (Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas), o conjunto de direitos que possuem, em lei, para a garantia de remuneração, pensão, saúde e assistência na ativa e na inatividade.

Militar bate continência ao presidente Lula (PT) durante cerimônia de apresentação de oficiais-generias recém-promovidos, no Palácio do Planalto – Pedro Ladeira/Folhapress
Na última reunião do Alto Comando do Exército, de 13 a 17 de maio, os generais do topo da carreira já haviam decidido que o Sistema de Proteção Social dos militares merecia vigilância constante.

O tema entrou no radar depois que Dantas em entrevista à Folha apresentou uma espécie de roteiro de medidas ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para evitar o estrangulamento das contas do governo com o aumento das despesas obrigatórias. A proposta inclui mudanças na Previdência dos militares e servidores civis, além de desvinculação do salário mínimo de alguns benefícios previdenciários.

Com tabelas nas mãos, elaboradas pela auditoria do tribunal, Dantas alertou para a desproporção que existe entre os déficits das contas da Previdência dos trabalhadores. Enquanto o déficit per capita (por beneficiário) do setor privado, no INSS, é de R$ 9,4 mil e o dos servidores civis chega a R$ 69 mil, nas contas dos militares o valor é muito superior e alcança R$ 159 mil.

A entrevista, publicada três dias após a reunião do Alto Comando do Exército, só reforçou a desconfiança dos militares. Requerimento convidando o presidente do TCU para prestar esclarecimentos sobre mudanças na Previdência dos militares foi apresentado pelo deputado federal Sargento Portugal (Pode-RJ) à Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara.

No governo Lula, o tema dos militares é tratado com cautela nos bastidores, mas encontra defensores no Palácio do Planalto e na área econômica. A razão é que a lei aprovada em 2019, que reestruturou a carreira dos militares, após a aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da reforma da Previdência, não é considerada uma reforma para valer.

O mesmo diagnóstico foi externado pelo presidente do TCU.

O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, tenta colocar panos quentes para evitar que a demanda por uma reformulação da carreira militar cresça. Segundo interlocutores do ministro, ele pretende se encontrar com Bruno Dantas nos próximos dias para explicar a posição dos militares e defender que o tema está pacificado.

A lei aprovada em 2019 para os militares aumentou o tempo de serviço de 30 para 35 anos e estabeleceu que oficiais e praças da reserva e pensionistas devem contribuir com a pensão militar até a morte. Os cálculos apontam para uma redução de R$ 10 bilhões em uma década após a aprovação do texto.

Em complemento, as Forças criaram planos para redução de efetivo, cujo objetivo era diminuir em 10% o tamanho das tropas.

Com a mesma lei, porém, os militares conseguiram outros benefícios. Eles tiveram ganhos na remuneração, ao elevar percentuais de aumento salarial por cursos concluídos, e passaram a receber o dobro do valor estabelecido como ajuda de custo quando eles passam à reserva.

Com a reforma, os militares recebem —como ajuda de custo— oito vezes o salário do último posto quando deixam o serviço ativo. No caso de generais, o valor chega a R$ 300 mil.

Um caso usado como exemplo é o fato de o comandante do Exército, general Tomás Paiva, ter recebido R$ 770 mil quando foi para a reserva. O valor é composto por ajudas de custos e indenizações pecuniárias adquiridas ao longo de 42 anos de serviço.

Como a Folha mostrou, os benefícios servem aos oficiais como forma de inflar as remunerações. Como a verba é calculada pelo salário dos militares, os ganhos são mais significativos para oficiais do que para praças, que reclamam das diferenças dos valores.

Generais avaliam que, nos últimos anos, os militares sofreram uma série de reveses em seus direitos. Salários sem reajustes e sistema de saúde prejudicado por falta de orçamento são duas reclamações crescentes no Exército.

Procurado pela Folha, o Ministério da Defesa disse não conhecer os critérios utilizados no cálculo dos números citados pelo presidente do TCU. Mas em nota destacou que a reforma realizada em 2019 almeja, em dez anos, equilíbrio das contas.

“Por essa reforma, por exemplo, militares, inativos e pensionistas passaram a contribuir; o tempo que eles permaneceram no curso de formação deixou de contar; e o período mínimo necessário na ativa passou de 30 para 35 anos”, diz a nota.

O Exército possui um general ligado à Secretaria de Economia e Finanças responsável por acompanhar as discussões sobre o sistema de proteção dos militares e antecipar o lobby contra eventuais mudanças.

Oficiais afirmaram à Folha, sob reserva, que a função é importante para evitar a “maldade”. Na visão dessas fontes, a remuneração de militares inativos é discutida em todos os governos, com foco na redução de direitos.

Um acórdão do TCU (Tribunal de Contas da União) de 2022 fixou o entendimento de que o sistema de proteção dos militares não é um regime previdenciário. Cabe, portanto, ao Tesouro Nacional o pagamento das pensões e dos salários de militares da reserva.

Por isso, os oficiais dizem que não faz sentido falar em déficit previdenciário dos militares se as remunerações dos fardados da reserva não são contabilizadas no Orçamento de Seguridade Social.

Membros das cúpulas das Forças Armadas também defendem que os benefícios na inatividade, com aposentadoria integral e menos tempo de serviço, foram criados para compensar uma série de direitos que os militares não possuem —como hora-extra, adicional noturno e limite de horas de trabalho diárias.

A discussão puxada pelo presidente do TCU vem no rastro da pressão que o governo Lula tem recebido para apresentar medidas de corte de despesas para sustentar, nos próximos anos, a sobrevivência do novo arcabouço fiscal.

Entre essas medidas de revisão de gastos, está a vinculação do salário mínimo e mudança nos pisos constituições que estabelecem aplicação mínima de verbas na saúde e educação.

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, puxou publicamente o debate, mas o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem alimentado a discussão, ainda que de forma discreta publicamente.

Em debate na Câmara na semana passada, o ministro defendeu que as vinculações orçamentárias previstas na Constituição podem ser reformuladas para uma regra melhor.

Fonte: Folha de São Paulo