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12 de dezembro de 2024 – 12:36

 

Eu sou apaixonado pela fragilidade e força que essa foto nos transmite. Me lembro a primeira vez que a vi nas redes sociais, quando observei a delicadeza das crianças com os pés descalços e chupeta, a força de uma mulher seguindo em frente, com uma criança no ventre e uma espingarda na mão, como se nada pudesse lhe parar.

Essa obra de arte é um registro de 1979 do fotógrafo de Goiás, Kim-Ir-Sen, que durante suas passagens por Rondônia, registrou mais de 180 mil fotos do nosso estado. A admiração por essa obra me despertou a curiosidade… Quem será a mulher da espingarda?

Eu tinha somente uma pista… Sabia, através da publicação de um post, que o local da foto era no Riozinho, um distrito de Cacoal (RO). Fiz uma publicação no meu Instagram procurando o paradeiro da mulher da espingarda e, no mesmo dia, conseguimos encontrá-la.

 

Mas afinal, quem é a mulher da espingarda?

A famosa mulher da espingarda é a Dona Maria Luiza da Graça Rodrigues, natural do estado do Paraná! “Eu cheguei em Cacoal em 1976, só tinha uma igreja e uns pingados de gente”, conta. Mãe de cinco filhos e de mais um monte que criou dos outros, segundo ela: “Nessa foto eu tinha 24 anos, já tinha dois filhos e estava esperando o terceiro. Eu criei os meus filhos praticamente sozinha, o meu marido sempre foi muito distante, pois trabalhava no garimpo”.

Dona Graça nunca trabalhou de carteira assinada, atuou por muito tempo prestando serviço para a FUNAI e também como cozinheira. “Me chamaram uma vez pra ir trabalhar como cozinheira lá pra região do Mequéns, só que eles não queriam que eu levasse os meus filhos e eu logo avisei: sem meus filhos eu não vou, não largo eles não”.

A vida, segundo ela, era bem mais difícil aqui do que lá no Paraná, na época.“Ohh Danilo, eu ia e voltava do Riozinho para Cacoal a pé. A gente ia até Cacoal, comprava as mercadorias por lá para revender no Riozinho. A gente carregava as mercadorias nas costas e a criança no colo”.

Então era pra isso que você usava a espingarda Dona Graça? “Sim, eu tinha muita coragem de andar no meio do mato, o que passasse na minha frente eu metia o tiro (risos). Mas só pra me defender, eu não gostava de matar os bichos não. Uma vez a gente estava no meio da mata e apareceu uma onça com dois filhotes. A gente subiu na árvore e eu não deixei matarem não”.

No Riozinho, Dona Graça viveu até ganhar um sorteio de casas populares em Cacoal, mas segundo ela o Riozinho é o seu lugar. “A gente lavava roupa nas pedreiras lá na ponte do Riozinho, chegava seis horas da manhã e só ia embora de tardezinha… Os caminhoneiros passavam e ficavam assoviando e mexendo com a gente. Eu não gostava, achava nojento e ia pra debaixo da ponte lavar as roupas para eles não verem”.

Com muita facilidade para responder as perguntas, teve um momento que ela respirou fundo para responder: Dona graça, qual era o seu sonho nessa época? Por que vocês insistiram em Rondônia mesmo com tantas dificuldades? “(Silêncio)… No fundo a gente sabia que Rondônia seria um lugar melhor para criar os nossos filhos! Eu nunca sonhei em ser milionária, rica… Eu sempre sonhei ter o suficiente pra ajudar os meus filhos e meus amigos, eu gosto da minha casa cheia de gente”.

Contei a ela os meus planos de reproduzir a fotografia do Kim, com os filhos dela lá no mesmo lugar. “Danilo, a gente pode fazer com os meus outros filhos? A menina da foto está morando lá no Paraná e tem outro lá em Espigão do Oeste. Vamos fazer com outros, se os meus filhos que moram aqui não quiser, eu saio caçando gente na rua pra tirar essa foto comigo. Eu quero muito essa foto”.

Por fim, ficamos horas conversando, descobri que as histórias da família da Dona Graça, se entrelaçaram com as da minha família por várias vezes. Dona Graça trabalhou com uma tia-avó minha e o estabelecimento onde ela comprava as mercadorias para revender, era o Bar Esporte, do meu bisavô.

Para a nossa geração e para as que virão, nos resta não deixar cair no esquecimento que o empoderamento feminino está por Rondônia desde a fundação do nosso estado. Um estado que foi construído, além de homens, por mulheres fortes, poucas vezes citadas na nossa história com dominância patriarcal. Onde os homens sempre ganharam destaque por passarem dias longe da família demarcando terras, extraindo madeira e minérios para acúmulo de patrimônio, enquanto nossas mulheres também trabalharam duro, sonharam com um futuro melhor, defenderam os filhos com unhas, dentes e espingardas e foram assediadas enquanto lavavam roupas. Porém, são poucas as vezes que as histórias de milhares de mulheres rondonienses, como a Dona Graça, são contadas por aí. 

(Por Danilo Degra)

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