Em uma data marcante, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) lançou na quinta-feira, 31, no Dia da Reforma Protestante, a “Carta à Nação Brasileira”. O documento celebra o bicentenário da chegada das primeiras comunidades luteranas ao país, em 1824, e destaca o compromisso contínuo da IECLB com a fé, educação, justiça social e preservação dos direitos humanos.
A carta relembra o início da presença luterana no Brasil com a chegada de imigrantes a Nova Friburgo (RJ) e São Leopoldo (RS). Desde então, a IECLB consolidou sua atuação, com escolas e universidades de qualidade, incentivando a educação e a formação teológica, e, mais recentemente, promovendo a igualdade de gênero com políticas de justiça específicas.
Além de reconhecer suas raízes, a IECLB reafirma seu compromisso ecumênico e sua postura em defesa de causas fundamentais, como a democracia, os direitos humanos, a preservação ambiental e a justiça social. A carta também inclui um pedido de perdão por episódios históricos de exclusão e discriminação, refletindo o desejo da IECLB de ser uma igreja inclusiva, acolhedora e engajada no bem-estar do povo brasileiro.
A IECLB, presente em todo o Brasil, destaca-se pelo trabalho em comunidades de pequeno porte e em áreas urbanas, com foco em projetos de diaconia e na promoção de uma sociedade mais justa. Ao olhar para o futuro, a IECLB compromete-se em ser uma igreja cada vez mais inclusiva e missionária, buscando novas formas de atuação em diálogo com os desafios contemporâneos. Leia a carta:
CARTA À NAÇÃO BRASILEIRA
Eis que estou com vocês todos os dias até o fim dos tempos. (Mateus 28.20)
Saudações à Nação Brasileira!
No ano em que celebra o bicentenário das primeiras Comunidades evangélicas em solo brasileiro,
a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil se dirige à nação brasileira com muito
respeito, alegria e esperança.
Foi em maio de 1824 e em julho daquele ano que desembarcaram no Brasil as pessoas que iriam
constituir as primeiras Comunidades evangélicas luteranas no nosso país. O grupo de maio subiu
a serra fluminense e se estabeleceu em Nova Friburgo. O grupo de julho seguiu viagem mais
para o Sul e, pelo Rio dos Sinos, atracou em São Leopoldo, solo gaúcho. Reconhecemos que a
prática de fé daquelas famílias constitui a primeira organização comunitária luterana em terra
brasileira. O primeiro ofício religioso foi o sepultamento do filho do Pastor Friedrich O.
Sauerbronn, em 3 de maio de 1824, em Nova Friburgo/RJ. A mãe da criança falecera e fora
sepultada em alto mar, durante a viagem de travessia.
A Reforma Protestante do século XVI originou a família confessional luterana, em virtude de que
um de seus principais proponentes foi Martim Lutero (1483-1546), monge agostiniano, doutor
em teologia. Dos muitos ensinamentos daquele movimento, um dos mais importantes foi a
necessidade de retornar às raízes bíblicas da fé. Antes de doutrinas, dogmas ou bulas papais, é
na Bíblia que se encontram os ensinamentos, as orientações e as palavras de salvação, que é um
presente de Deus às pessoas que creem. A afirmação central da Reforma está baseada na carta
do apóstolo Paulo aos Romanos 1.17, Porque a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em
fé, como está escrito: “O justo viverá for fé”.
Para Martim Lutero, a leitura da Bíblia e a compreensão das Escrituras eram essenciais para que
cada pessoa desenvolvesse uma fé pessoal e madura. Lutero também acreditava profundamente
que a fé cristã era inseparável do conhecimento. Por isso, defendia a educação universal, tanto
de meninos quanto de meninas, algo revolucionário para a época. Também as famílias que vieram
ao Brasil trouxeram consigo esta premissa, que ainda hoje é uma das características da IECLB,
de que tão importante quanto a igreja é a escola. Hoje, 70 unidades escolares de educação básica
e sete faculdades, ligadas confessionalmente à IECLB, continuam promovendo educação de
qualidade. Elas seguem a tradição luterana de educar para a liberdade, cidadania e solidariedade,
formando pessoas conscientes de seu papel na sociedade e capacitadas para agir com
responsabilidade em suas Comunidades.
A teologia de uma Igreja é um de seus tesouros mais preciosos. Desde 1949, quando a então
Faculdade de Teologia foi fundada, a IECLB vem formando seu próprio quadro de Ministras,
Ministros, teólogos e teólogas. E não só isso – hoje a Faculdades EST forma também pessoas de
outras Igrejas em nível de pós-graduação. A EST tem reconhecimento internacional como uma
das mais importantes casas de formação teológica do sul global. Além dela, a IECLB tem convênio
para formação de Ministras e Ministros com a Faculdade Luterana de Teologia, vinculada a um
movimento dentro da IECLB. O zelo e a importância dados à formação teológica são parte da
história do luteranismo no Brasil e uma de suas importantes contribuições ao país.
O luteranismo se soma a outras confissões cristãs quando entende que a mulher exerce papel
essencial na vida e existência da Igreja. Mulheres participaram ativamente no movimento da
Reforma, contribuindo com sua sabedoria, seus conhecimentos e suas experiências. Salvo raras
exceções, Igrejas luteranas ordenam mulheres ao Ministério eclesiástico. No Brasil, a IECLB
ordena mulheres ao Ministério pastoral desde 1982. Em 2018 foi eleita, e reeleita quatro anos
depois, a primeira mulher ao cargo de Pastora Presidente. A IECLB tem um documento
importante, adotado em Concílio, seu órgão decisório máximo, que é a Política de Justiça de
Gênero. Tal documento vale para todas as pessoas e instâncias da Igreja. Ele visa eliminar todas
as formas de discriminação e violência contra as mulheres, e garantir a elas espaços seguros e
saudáveis para o exercício de sua fé e seus dons em todos os cargos de liderança.
Estamos presentes em todo o país, sendo que a maioria de nossas Comunidades está localizada
em cidades de até 50 mil habitantes, especialmente nos três estados da região Sul do Brasil.
Nossa membresia tem forte presença na agricultura. Por isso, já há várias décadas, a IECLB tem
se preocupado com o êxodo para os centros urbanos e criou um centro para promoção da
agricultura ecológica e familiar. Seu objetivo é manter famílias na terra e dar a elas condições de
produzir alimentos saudáveis para si e para a sociedade. Por outro lado, a IECLB tem buscado
promover iniciativas de crescimento nas grandes cidades. Para isso, conta com um escritório na
cidade de São Paulo, que pesquisa e busca formas de crescimento nas metrópoles.
Diaconia é uma palavra-chave na existência da IECLB. O serviço prestado às outras pessoas e a
toda a Criação, em resposta ao amor de Deus por nós, está presente em todas as nossas
Comunidades. Essas ações diaconais aliviam dores, promovem justiça e se preocupam com a
vida, mas também querem mudança das realidades que provocam sofrimentos e injustiças. Deste
modo a presença da Igreja se torna gesto de amor, de paz e de justiça, e é testemunho concreto
da Boa Nova que a mensagem do Evangelho anuncia. Além desse trabalho comunitário, temos
cerca de 50 instituições diaconais conectadas em uma rede de diaconia. A maioria delas atua em
parceria com o Poder Público no desenvolvimento e implementação de políticas públicas,
principalmente na área da assistência social e educação. Alcançamos mensalmente, através de
nossa atuação diaconal, milhares de pessoas, especialmente crianças, adolescentes, jovens e
pessoas adultas.
Transparência e ética fazem parte do compromisso da IECLB. Todas as ações e contas são
revisadas e aprovadas por conselhos fiscais, em âmbito local, sinodal e nacional. Prestamos
contas, igualmente, ao sistema legal oficial do Estado brasileiro. Respeitamos fielmente a
Constituição do país, além dos tratados internacionais, como o dos Direitos Humanos, de Direito
das Crianças, de Pessoas com Deficiência e de Povos Originários. Defendemos a democracia e o
estado democrático de direito, essenciais para o desenvolvimento da sociedade.
A IECLB é uma Igreja ecumênica. Respeita, dialoga, trabalha em conjunto com outras Igrejas
que compartilham da mesma visão e missão: proclamar o Evangelho de Jesus Cristo, que liberta,
acolhe, transforma, salva. Participamos de conselhos ecumênicos locais, regionais, nacionais e
internacionais. Temos dezenas de parcerias com outras Igrejas. Participamos de diálogos e
iniciativas inter-religiosas. Defendemos a Constituição Brasileira, que estabelece o Estado laico e
combate a intolerância religiosa, dando direito a cada pessoa a viver com liberdade a sua religião
ou crença.
Pedido de perdão
Por inúmeras razões e fatores, a presença luterana também causou dor em parte do povo
brasileiro. Em alguns momentos históricos, especialmente durante as grandes guerras mundiais,
luteranismo foi confundido com germanismo e nazifascismo. Também nosso relacionamento com
povos indígenas originários brasileiros foi truncado e baseado em desconhecimento, medo e
disputa pelas mesmas terras. Onde houve falhas, pedimos perdão.
Como se trata de uma Igreja de membresia majoritariamente branca, de descendência europeia,
houve e ainda percebemos evidências de racismo e certa simpatia com movimentos ou grupos
que defendem a violência, o retorno de ditaduras militares, e que não respeitam a diversidade, a
democracia e os direitos humanos. Defendemos a liberdade de opiniões e pensamentos, mas nos
opomos ao radicalismo do pensamento único, especialmente se este vier acompanhado pela
violência, discriminação e negação do direito à opinião contrária.
Por razões históricas e contextuais, os contingentes migratórios que formaram a nossa Igreja se
estabeleceram em locais específicos, onde a preservação da cultura, dos costumes e da língua
alemã eram considerados essenciais. Nesse contexto, pessoas de outros grupos étnicos eram
frequentemente vistas como uma ameaça. Como resultado, a fé e a confissão luterana passaram
a ser, por muito tempo, quase exclusivas de descendentes de imigrantes europeus. Mais tarde a
IECLB começou a se abrir para o restante do povo brasileiro. Pelo fechamento das portas de
nossas Comunidades a quem não tinha origem germânica, pedimos perdão.
Para onde iremos?
A IECLB continuará, com a graça de Deus, evangelizando, proclamando o Evangelho, praticando
a diaconia, defendendo os direitos das pessoas a uma vida digna e o direito da Criação à
existência plena. Comprometemo-nos a respeitar a diversidade humana em todas as suas
expressões, incluindo a diversidade sexual e de gênero. Buscamos criar e valorizar espaços para
a juventude ser protagonista na Igreja e na sociedade. Almejamos que nossas cerca de 1.800
Comunidades sejam lugares acolhedores, seguros, de crescimento na fé, desde a primeira idade
até os últimos dias de vida.
Continuaremos buscando novas formas de ser Igreja, com novas pastorais, ministérios, iniciativas
e novos públicos. Com as Metas Missionárias 2025-2030 aprovadas, temos um caminho claro e
prioridades bem definidas para seguir. Queremos nos unir com outras Igrejas e instituições que
defendem o direito à vida, à livre expressão com responsabilidade e que defendem a democracia
como a mais bonita e saudável forma de organização política e social. Defendemos o direito à
educação de qualidade, às políticas públicas de saúde, trabalho e direitos humanos. Somos Igreja
presente no Brasil e atuante em vários outros contextos, através de parcerias e convênios.
Estamos em busca de ações concretas para diminuir o impacto humano na natureza e queremos
nos somar aos esforços por um mundo mais equilibrado e justo do ponto de vista climático.
Queremos continuar sendo a Igreja de Jesus Cristo que Deus nos permitiu ser, enquanto
caminhamos em direção à Igreja que Deus nos chama a ser: ainda mais atrativa, inclusiva,
acolhedora, relevante, missionária e diaconal. Oramos para que, através do Espírito Santo, Deus
nos capacite a ser a Igreja que Jesus Cristo deseja que sejamos para os próximos anos.
Em 2024, comemoramos com júbilo e alegria os 200 anos de presença luterana no Brasil.
Refletimos sobre nosso passado, nossa história, os desafios enfrentados e superados, bem como
sobre as falhas e equívocos cometidos, e pedimos perdão. Mas também olhamos para o futuro
com confiança, reverência e fidelidade à Palavra de Deus.
Pa. Sílvia Beatrice Genz
Pastora Presidente
P. Odair Airton Braun
Pastor 1º Vice-Presidente
P. Dr. Mauro Batista de Souza
Pastor 2º Vice-Presidente
Adelino Sasse
Presidente do Conselho da Igreja
Astrid Gohlke Balz
Vice-Presidente do Conselho da Igreja
P. Enos Heidemann
1º Secretário do Conselho da Igreja
Dra. Débora Eriléia Pedrotti
2ª Secretária do Conselho da Igreja.