Frustração de receitas e disputa entre ministros das alas política e econômica explicam a possível mudança na meta fiscal do ano que vem

A possível revisão da meta de déficit zero nas contas públicas em 2024 tem como pano de fundo dois fatores principais: a frustração de receitas e uma disputa entre ministros das alas política e econômica do governo. Uma eventual mudança na meta ganhou força após declarações à imprensa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que disse que “dificilmente” o déficit zero será alcançado no próximo ano.
O chamado déficit zero iguala as despesas às receitas, sem gastar nada a mais do que conseguir arrecadar. Para alcançá-lo, o governo federal precisa aumentar as fontes de arrecadação de receitas. De acordo com o Ministério do Planejamento e Orçamento, para acabar com o rombo fiscal em 2024, serão necessários R$ 168 bilhões em receitas extras.
Enquanto Haddad e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, têm assumido compromisso com o déficit zero, expoentes do PT ressaltam que a meta não precisa ser tão audaciosa. A preocupação desse segundo grupo é com os investimentos públicos, isto é, obras e gastos sociais. O ministro Rui Costa coordena o Novo PAC, versão repaginada do Programa de Aceleração do Crescimento, e teme resultados comprometidos por uma espécie de austeridade fiscal.
O próprio Lula afirmou que não vai estabelecer uma meta fiscal que obrigue o governo a começar o ano fazendo corte de bilhões de reais nas obras que são prioritárias para o país.
“Eu sei da disposição do Haddad, sei da vontade do Haddad, sei da minha disposição. Quero dizer para vocês que nós dificilmente chegaremos à meta zero, até porque eu não quero fazer cortes em investimentos de obras. Se o Brasil tiver um déficit de 0,5% (do PIB) o que é? De 0,25%, o que é? Nada. Absolutamente nada. Então, nós vamos tomar a decisão correta e vamos fazer aquilo que vai ser melhor para o Brasil.”
Arrecadação
Ao longo de 2023, o governo tem assistido a uma frustração na arrecadação federal com impostos, contribuições e outras receitas. Em setembro, foi registrada uma queda real (descontada a inflação) de 0,34%, para R$ 174,316 bilhões, na comparação com o mesmo período de 2022. Foi o quarto mês seguido com queda real da arrecadação no país. Em agosto, o recuo havia sido de 4,1%. Em julho, o tombo foi de 4,2%.
No acumulado dos nove primeiros meses deste ano, a arrecadação somou R$ 1,691 trilhão, o que corresponde a uma queda de 0,78%.
“A arrecadação vem sofrendo por uma série de fatores. Obviamente que a taxa de juros é uma coisa importante. As empresas estão lucrando menos em função das taxas de juros e isso impacta no Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido”, disse Haddad a jornalistas na segunda-feira (30/10).
- A autorização do abatimento, por empresas, de subvenções (auxílios concedidos pelo poder público) dada por estados a empresas está sendo usada para despesas de custeio. Para ter acesso aos valores atrasados, o governo ainda precisa que o Congresso aprove uma medida provisória sobre o tema; e
- A retirada do ICMS da base de cálculo do Pis/Cofins.
Segundo Haddad, essas são as razões pelas quais as estimativas de receita para este ano não estão acontecendo na velocidade pretendida, mesmo com o PIB crescendo. Ele defendeu que é preciso corrigir a erosão da base fiscal do Estado brasileiro.
No entanto, além do atraso na votação dessas matérias, há o risco de elas serem desidratadas pelo Congresso e não cumprirem as previsões estipuladas pela ala econômica.
Déficit de 0,25%
Frente ao impasse, o governo federal agora avalia um déficit de “ao menos 0,25%”, que respeitaria o Marco Fiscal. A nova regra de controle de gastos prevê uma margem de tolerância (as chamadas bandas). Para 2024, o resultado primário poderá variar entre déficit de 0,25% e superávit de 0,25%.
A meta consta do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2024, documento que baliza o orçamento federal e cuja votação está atrasada (era para ter ocorrido até julho). Ela pode ser alterada de duas formas: 1. via mensagem modificativa enviada pelo governo (que só pode ser enviada antes da votação do relatório preliminar na Comissão Mista de Orçamento) ou 2. pelos parlamentares durante a tramitação do projeto.
Executivo e Ministério da Fazenda discutem o tema. A equipe do relator da LDO, deputado Danilo Forte (União-CE), afirmou ainda não ter sido informada sobre a mudança por parte do governo federal. A previsão é que o relatório à LDO seja votado pelo Congresso até o fim de novembro. Depois dela, o governo ainda precisa aprovar o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), que é o Orçamento do próximo ano em si.
O presidente Lula conversa com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e com o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, durante reunião no Planalto.
