Cacoal/RO, 18 de maio de 2024 – 23:13
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18 de maio de 2024 – 23:13

O velho rádio da Funai pifava, hoje indígenas dão manutenção à Internet

Por MONTEZUMA CRUZ
Com fotos e informações de Vanessa Fernandes/Kanindé

 

Imagine Rondônia quatro décadas atrás, quando o aparelho de rádio USB da Fundação Nacional do Índio (Funai) pifava, e tudo o que era urgente só encontrava solução um mês depois. Imagine nesse mesmo período o início da demarcação de terras pela topografia, método hoje totalmente arcaico diante do Google Earth. Numa das visitas ao Posto Indígena de Riozinho, em Cacoal, o repórter viu o sertanista Apoena Meireles desolado, impossibilitado de falar com a sede, em Brasília, por causa do rádio avariado.

 

Outubro de 2023: durante três dias, representantes dos povos Amondawa, Oro Nao, Cabixi, Oro Win, Paiter Suruí, Jupaú, Tupari, Karo Arara e Ikolen Gavião participaram do curso de Treinamento e Instalação de Internet via Satélite no Centro de Cultura e Formação da Kanindé em Porto Velho.

Trata-se do projeto Conexão Povos da Floresta, que começa a dar condições do uso da Internet, redes sociais e outras tecnologias a diversas comunidades indígenas, quilombolas e extrativistas da Amazônia Ocidental Brasileira.

“O primeiro passo para a implementação do projeto foi promover a formação de membros das comunidades beneficiadas”, informou hoje, 6, o coordenador de Monitoramento e Proteção Territorial da Kanindé Etnoambiental, Israel Vale.

Quanto mais remota a Terra Indígena, mais difícil fica o acesso aos serviços básicos e à garantia dos direitos aos modernos sistemas. Para se ter ideia das necessidades, a internet 5G só chegará em 2024 aos distritos de Porto Velho e a outros territórios isolados. Pelo menos o pedido formulado pelo senador Confúcio Moura (MDB-RO) já está nas mãos do presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Carlos Manuel Baigorri.

Inicialmente, Confúcio levou em 2022 o projeto piloto para Extrema, a 329 quilômetros da Capital; Nova Estrela, no interior de Rolim de Moura, a 506 km; e Triunfo, no interior de Candeias do Jamari, a 195 km, também se beneficiam.

Tecnologias que também protegem indígenas

Segundo o coordenador Proteção Territorial da Kanindé, Israel Vale, as longas distâncias e a dificuldade de acesso às comunidades são os grandes empecilhos para a Internet funcionar conforme as necessidades de cada comunidade.

“Um único técnico levaria pelo menos três meses para percorrer as 14 aldeias e completar as instalações; foi aí que a gente usou a experiência da Kanindé e propôs formar os próprios indígenas”, explicou. “Eles ainda repassam conhecimentos aos demais”, acrescentou.

“As tecnologias que estão sendo utilizadas pelos indígenas, são ferramentas que protegem o território, mas também aos indígenas”, comentou hoje a diretora da Kanindé, Ivaneide Bandeira, Neidinha.

“Agora, com drones, gps, filmadoras, máquinas fotográficas e celulares, eles podem fazer as denúncias mais embasadas e protegidos. Também a rapidez com que à Internet oferece com as antenas que estão sendo colocadas, as denúncias ao Ministério Público Federal, Ministério Público do Estado de Rondônia, Funai, Ibama e demais órgãos tem muita mais eficácia. Esse é um grande avanço na luta pela defesa das áreas protegidas e territórios indígenas”, analisou Neidinha.

E os indígenas retornam aos seus territórios capacitados para fazer a instalação, a configuração e a manutenção básica dos equipamentos. Algo impossível nos tempos do velho rádio da Funai.

A melhoria trazida pelo curso do projeto Conexão Povos da Floresta já vem sendo sentida em outras regiões da Amazônia Brasileira.

Em Rondônia, parceria entre a Associação de Defesa Etnoambietnal Kanindé, WWF-Brasil e Associações Indígenas viabilizam a chegada dos kits com antenas, modem e roteadores.

Um dos primeiros a pôr em prática os conhecimentos recebidos no curso, Benjamin Oro Nao, presidente da Associação Santo André do Povo Oro Nao (Território Pacaás Novos) iniciou instalação já no dia seguinte à sua chegada. Horas depois, o equipamento funcionava bem.

“Pensei que não ia conseguir: tentamos uma, duas vezes, e não tava ligando; aí, com a outra internet fizemos uma ligação de vídeo pro professor: ‘faz isso, faz aquilo’, aí eu aprendi com ele”, contou Benjamim.

Ânimo

Segundo ele, a partir de agora, com a Internet mais rápida, os trabalhos da associação serão facilitados. “Antes, participar de reuniões e formações online era uma dificuldade, devido a qualidade do sinal da internet antiga”, comentou.

Benjamin observou que o benefício também chega para os jovens, facilitando-lhes o acesso a cursos e mesmo o uso para pesquisas de trabalhos escolares; e uso das redes sociais como ferramentas de denúncias e mobilizações do movimento indígena. “Além disso, o monitoramento do território e denúncias serão mais ágeis.”

E aí voltamos uma vez mais aos anos 1970: comunicados de sertanistas e responsáveis pelos postos indígenas em áreas críticas de desmatamento demoravam semanas para chegaram a Brasília, ou às delegacias e ajudâncias da Funai em Vilhena, Cuiabá, Porto Velho e Rio Branco. Agora, tudo se dá em fração de segundos, com fotos e vídeos.

Cibele e Donizete Cabixi, do Povo Cabixi, foram os responsáveis pela instalação na Aldeia Pedreira. “Primeiro eu achei que não ia dar conta, mas o curso foi muito bom, aprendemos muitas coisas e assim que chegamos aqui, já instalamos”, contou Cibele.

“É muito gratificante poder auxiliar nesse processo e vê-los se apropriando das ferramentas, fazendo uso de acordo com as necessidades de suas comunidades, criando seus próprios protocolos e formas de uso”, destacou Israel do Vale.

A internet conta com um sistema de protocolo próprio para controle de acesso e cadastramento de usuários, que é gerido por pessoas da comunidade. Existe um cadastro para os moradores, para visitantes e para os administradores, com diferentes funções. Em regras gerais, o acesso é bloqueado apenas para jogos e pornografia. Pelo período de um ano e meio, os custos mensais da assinatura da internet serão por conta do projeto; a comunidade isenta do pagamento de qualquer valor neste período.

A articulação entre os parceiros contínua para levar o projeto Conexão Povos da Floresta para outros territórios indígenas de Rondônia.

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* Conexão Povos da Floresta é um projeto idealizado pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), tendo como facilitador o empreendedor social Tasso Azevedo, do MapBiomas.

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