Cacoal/RO, 17 de maio de 2024 – 12:20
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17 de maio de 2024 – 12:20

SÓ UM CONTO A MAIS

SÓ UM CONTO A MAIS

Luiz Albuquerque
E-mail [email protected]

 

Sua infância teve muita surra e pouca comida, não lembrava de brincadeiras. Do pai, lembra quando ele veio e bateu na mãe, quase a matou. A mãe se juntou com um homem que a bolinava, que bebia muito e batia nela e nos irmãos.

O primeiro filho veio aos treze anos, depois que se entregou pela promessa de mudar de vida, o que não aconteceu. O pai da criança foi preso e depois sumiu, fugido. Nunca mais teve notícia dele.

O bebê era mais um a encher a casa, mais despesas, então passou a catar lixo junto com a mãe e o padrasto.

Saiu de casa e foi morar com um pedreiro que não quis levar o filho por ser “fruto do pecado”, segundo suas crenças. Ela aceitou, não tinha outro jeito. Dez anos e seis filhos depois o marido cresceu na profissão, virou mestre de obras e, depois, dono de uma pequena construtora. Viu-o construir outra casa, viu-o ir com outra mulher, depois se viu tornar-se amante do próprio marido.

A idade avançava.

Ela, sem vida nem futuro, viu crescer os filhos, largados pelo pai. Resolveu reagir.

Foi estudar.

Aprendeu a escrever, ler frases. Chorou como nunca ao receber um papel que dizia que ela estava alfabetizada.

Saiu em busca de emprego, de qualquer trabalho, porém ninguém contratava alguém como ela, sem experiência, sem referencias, sem nem o 1º grau completo.

Passou a fazer bolos e doces que vendia numa banquinha no centro da cidade, em frente a uma Biblioteca.

Ali, naquele casarão, um dia ela entrou e pediu um livro para ler. A atendente perguntou-lhe qual livro e ela não sabia. Saiu correndo e chorando, envergonhada. A moça da Biblioteca passou a comprar seus doces, fez amizade, indicou livros, convenceu-a a voltar a estudar.

Não foi fácil. De dia na banca, de noite estudando, de madrugada fazendo doces. O cansaço, o desânimo, a falta de perspectivas batiam forte, muitas vezes pensou em parar.

Os anos se arrastavam, o trabalho cansava, a idade pesava, ainda assim continuou. O Ensino Fundamental, o Médio, o vestibular. A faculdade, a formatura. Fez um concurso, foi aprovada, assumiu a vaga e evoluiu na função. Até que chegou o grande, sublime, fabuloso dia quando assumiu a direção da mesma Biblioteca na frente da qual vendera doces por muitos anos.

E hoje, da janela da sala da direção da Biblioteca, viu uma mulher vendendo doces numa banca, lá, no mesmo lugar que, por muitos anos, ela também estivera. Iria até lá comprar um doce, conversar com ela, falar dos caminhos que trilhou. Quem sabe?

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