A disputa de poder no Fórum Rui Barbosa vazou para os jornalistas em julho de 1981. O juiz da 1ª Vara Augusto Alves, de nacionalidade portuguesa, estabelecera um horário de atendimento, enquanto a juíza Maria Rita Kapone Krause, outro. O resultado foi uma série de queixas e até desentendimentos entre advogados e a direção do Fórum. O advogado Miguel Roumiê alertava: “Os funcionários do Fórum não sabem mais a quem atender. Ambos cobram obediência.”
No TJDFT informava-se que, enquanto o juiz fora nomeado diretor do Fórum, a juíza recém-chegada fora designada para a correição, e daí surgiu o conflito.
A situação levou a OABRO a atingir o ponto fraco do juiz Augusto depois de constatar que o Fórum não dispunha sequer de material de expediente (faltava até capa para encadernar processos).
O magistrado havia adquirido numa empresa de automóveis um Opala Comodoro orçado em 1 milhão de cruzeiros para uso pessoal de representação, mesmo tendo à disposição três outros veículos “com motorista e tudo”, usados inclusive aos sábados, domingos e feriados, conforme queixas de funcionários do Fórum e de advogados.
Do mesmo rol de reclamações: o juiz diretor do Fórum nomeava a esposa para o cargo de depositária pública, pelo qual recebia salário de 134 mil cruzeiros. Pior: não havia um parque de depósito, e assim, ela ganharia sem trabalhar.
Outra situação mexia com os brios da OAB: quando alertado a respeito da falta de condições do Presídio da Ilha Santo Antônio para receber presos de alta periculosidade da Central de Polícia, o juiz Augusto Alves ironizava: “Se houver alguma irregularidade, abriremos inquérito para apurar responsabilidades.”
Jornal e OAB irritam o juiz
O juiz Augusto Alves teve atritos no exercício do cargo. Criticado pelo jornal Alto Madeira, exigiu espaço para resposta ao que considerou “malévola opinião” a respeito da situação da Vara Criminal.
“Se os casos, não preenchem os requisitos legais, por culpa, imperícia, negligência de quem quer que seja, ou por dificuldades de qualquer ordem ou natureza, não pode o Judiciário assumir a paternidade dessas mazelas, nem com o apoio em tais enfermidades processuais, condenar alguém se não houver prova plena em sua culpa” – queixava-se a autoridade.
Estágio probatório
“Não existe nesta Comarca nenhum processo-crime, mormente de crimes contra a vida, que não esteja tramitando dentro da relativa normalidade. Os presídios são testemunhas do que afirmamos: lá existem presos cumprindo pena, esta lhes foi imposta, obviamente, pelo Judiciário deste Território” – escrevia o juiz Augusto Alves.
“Devo esclarecer mais, que não é só em Rondônia que os juízes iniciam sua carreira “pagando (sic) o estágio probatório, mas sim em qualquer parte deste imenso Brasil, sejam eles juízes estaduais, dos territórios, ou federais, sejam eles da justiça especializada ou geral e, nem por isso, a imprensa insinua, malevolamente, que juízes, por estarem em estágio probatório, decidam com medo ou receio de qualquer espécie” – ele alertava.
“Juízes não se improvisam”
“Contudo, se depois de tantas de tantas campanhas depreciativas do judiciário local ainda houver quem se disponha a ser juiz em Rondônia, terá também de “pagar” o estágio probatório que tanto preocupa V. Sª – desafiava o juiz Augusto Alves.
Cutucando a OAB: “Não serão os “n” apelos (sic) da OAB ou de quem quer que seja que resolverão o problema do judiciário. Será com juízes. Mas, juízes não se improvisam. É através de concurso público, dentre bacharéis em Direito, com pelo menos três anos de prática jurídica, que se selecionam aqueles considerados aptos para o cargo.”
“Ocorre que os concursos têm sido realizados, mas a porcentagem dos aprovados é mínima e insuficiente para preencher todas as vagas neste Território. Valeria aqui um apelo à direção maior da OAB local: venham ajudar o judiciário ‘falido’ (sic). Façam concurso. Provando ter idoneidade moral e profissional serão muito bem recebidos” – encerrava.
O drama da Defensoria Pública
O esvaziamento da Defensoria Pública foi gritante em abril de 1981, depois de meses de sufoco. A OAB pediu ao governo territorial que assumisse o atendimento à população carente.
“A situação agravou-se muito; é triste o descaso do Tribunal da Justiça do Distrito Federal e Territórios” – queixava-se o advogado Pedro Origa Neto. No que concordava o ex-presidente da Seccional e naquele ano procurador-geral do governo, Fouad Darwich Zacharias. “Apesar de não ser responsabilidade do governo, dar assistência aos necessitados é importante.”
Circulando na Praça Rondon
Enquanto se contavam nos dedos os advogados em atividade no interior do Território, na Capital o ritmo forense mobilizava dezenas deles, mesmo sob o regime de abandono ou adiamento de julgamentos das causas rondonienses pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, sediado em Brasília.
O repórter observava o dia a dia da Praça Marechal Rondon, em frente ao Fórum Rui Barbosa. Ela era sempre movimentada por personagens populares e aqueles frequentadores das lides forenses.
Entre 1979 e 1980, todos os meses a praça recebia notáveis advogados de outras regiões brasileiras. O espaço era uma espécie de Senadinho, onde eles se encontravam e comentavam suas ações.
Antes de se dirigirem ao Fórum Rui Barbosa e após as audiências ou atuação no Tribunal do Júri, os advogados circulavam sem paletó, ao sabor do calor porto-velhense – caso de Geraldo Drago, do Rio de Janeiro.
Drago denunciava arbitrariedades e violência policiais não apenas no âmbito das delegacias, mas da própria Secretaria de Segurança Pública de Rondônia. Um dos seus clientes foi o comprador de ouro Francisco Veras de Araújo, o Assis.
Assis e Nestor Camargo Júnior eram suspeitos pelo assalto à empresa Metamil, em 1982. Nestor denunciava ao juiz Douglas Evangelista Ramos e ao promotor Lúcio Balbi espancamentos e sevícias praticadas por policiais no 1º DP, a fim de que denunciasse Assis. “Foram cortes e canivete e choque elétrico”, ele relatava.
Drago enviava carta ao jornal “O Guaporé” alegando que “o assalto àquela empresa fora uma forma de extorquir dinheiro de seu cliente.”
Ferro Costa, Consultor Geral da República
Pela Praça Rondon também circulava o advogado Clóvis Ferro Costa, político paraense que ajudou na fundação da União Democrática Nacional (UDN) no seu estado, e em 3 de outubro de 1950 elegeu-se deputado estadual por essa legenda, assumindo sua cadeira em fevereiro do ano seguinte.
Foi líder do governo de 1951 a 1954 e presidente da Comissão de Constituição e Justiça de 1951 a 1955. Elegeu-se deputado federal em outubro de 1958, reelegendo-se quatro ano depois, sendo um dos poucos parlamentares da UDN que, durante o governo de João Goulart, defenderam as propostas de reformas originadas naquele governo.
Exerceu seu mandato até 10 de abril de 1964, quando foi incluído na primeira lista de cassações publicada após o Ato Institucional nº 1, editado no dia anterior pela Junta Militar que depôs o presidente Goulart. Assim, abandonou a vida pública, recolhendo-se às atividades privadas.
Ferro Costa foi nomeado consultor-geral da República na presidência de José Sarney, em substituição a Saulo Ramos, nomeado ministro da Justiça. Permaneceu no cargo até o fim do governo, sucedido por Célio Silva.
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Fotos: Reproduções de O Guaporé, Alto Madeira e Arquivo Pessoal de Pedro Origa
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