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12 de dezembro de 2024 – 08:48

Mineradoras contratavam advogados em São Paulo e no Rio de Janeiro

Matéria deste repórter, no jornal O Guaporé, mostra a contratação de advogados

A maior parte do departamento jurídico dos grandes grupos de mineração em atividade no extinto território federal entre os anos 1960 e 1980 era constituída por advogados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Alguns deles viajavam regularmente para Porto Velho para o vaivém entre o antigo aeroporto Belmont, hotel, Fórum Rui Barbosa e delegacias de Polícia. Qualquer ação judicial hoje demandaria mais serviços à advocacia, considerando-se a leitura do levantamento concluído em 2014 pelo Centro de Tecnologia Mineral (Cetem) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

O Cetem apurou os impactos socioeconômicos provocados pela atividade mineradora – especialmente doenças equivalentes à metade dos estudos realizados, o mais significativo é a proliferação de doenças, relatada em 60 casos, o que equivale a mais da metade dos estudos realizados.

O levantamento faz parte do livro Recursos Minerais e Comunidade: Impactos Humanos, Socioambientais e Econômicos e conta mais de uma centena de estudos de casos (105), distribuídos em 22 estados das cinco regiões brasileiras. Das substâncias, duas representam quase 40% do total: o ouro, a mais retratada, aparecendo em 20 estudos, 19% do total, seguindo-se o minério de ferro, que figura em 17 verbetes, com 16%. Carvão, cobre e rochas ornamentais aparecem em seguida, cada um com cinco verbetes. Já alumínio, amianto, chumbo, rocha fosfática, siderurgia, urânio e zinco estão presentes em quatro verbetes cada um. Diamantes e manganês figuram em três estudos cada, seguidos de esmeraldas, níquel e quartzito, presentes, cada um, em dois verbetes. As demais substâncias estão presentes em apenas um estudo de caso cada uma (argila, calcário, caulim, estanho, gemas, magnesita, metais pesados, opala, outras pedras preciosas, potássio, resíduos, terras raras e tungstênio.

O estudo não se limitou a questões ambientais, constatando diversos problemas trabalhistas envolvendo a empresa mineradora (34), questões fundiárias (29), crescimento desordenado do município (24) e, em proporção equivalente, inchaço populacional, que figura em 24 casos, e ausência de infraestrutura para atender à população, presente em 23 dos estudos realizados. Outros impactos são o aumento da violência, presente em 13 estudos, seguido de baixo crescimento econômico e social do município envolvido (10), aumento da prostituição (9), empobrecimento da população (7), e trabalho infantil.

A contaminação por substâncias perigosas é muito frequente nas atividades de mineração e, por isso, foi analisada em separado. O mais comum nos estudos empreendidos é a contaminação por metais pesados presentes na composição mineralógica.

Cargas roubadas e narcotráfico

Na intermitente luta para perseguir, cercar ladrões e recuperar cargas roubadas de minério de estanho (cassiterita), o Governo do Território criou em 1980 a Delegacia de Crimes Contra o Patrimônio, confiando-a ao advogado Walderedo Paiva.

Entre os cargos que exerceu, Valderedo Paiva foi delegado de crimes contra o patrimônio

Paiva, paraibano, foi também secretário de segurança pública e se elegeu deputado constituinte. No exercício do cargo de delegado ele constatou que quadrilhas organizadas levavam minério de estanho (cassiterita) para a Bolívia, trocando as cargas por cocaína.

Muito antes dos garimpos da Serra do Touro em Colorado do Oeste; da Serra Sem Calças em Jaru; dos diamantes existentes na Terra Indígena do Roosevelt; e das corrutelas do Rio Madeira, o velho território federal tinha suas raízes minerais.

Não era à toa que os locutores da Rádio Caiari assim anunciavam a hora:

– São exatamente 11 horas na “Capital Brasileira do Minério de Estanho.”

Enquanto a Justiça não determinava a avaliação judicial das terras de agricultores onde a Sociedade Brasileira de Metais Ltda. pretendia pesquisas e prospectar minérios, associações de ruralistas e sindicatos de Ariquemes confirmavam a contratação de três advogados para solucionar o impasse.

Corria o ano de 1980, e aproximadamente 80 mil hectares escolhidos para pesquisa daquele grupo estavam em jogo.

Além da cassiterita, as empresas também estavam de olho no ouro. Assim, a Mineração Pedra Preta Ltda. possuía documentação do DNPM para trabalhar numa área de 10 mil ha, do Sr. Manoel Sanches, nas vizinhanças do Rio Jamari, onde exploraria ouro. O alvará correspondente cobria essa área no Km 30 da BR-421.

Primeiro a influenciar a política do minério de estanho no País, o engenheiro civil e militar, coronel do Exército João Carlos dos Santos Mader, paranaense de Curitiba, assumiu o governo territorial em 29 de março de 1965, por nomeação do presidente Humberto de Alencar Castelo Branco.

Governador João Carlos Mader incentivou grandes empresas de mineração no território

Mader chegou já filiado à Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de sustentação do governo, ao qual também pertenceram o advogado Odacir Soares Rodrigues e alguns dos grandes empresários porto-velhenses.

Código de Mineração

No dia 8 de abril o Congresso Nacional aprovava a emenda das eleições diretas em 11 estados e elas foram realizadas em outubro; em 27 o presidente Castelo Branco decretava o Ato institucional n° 2, extinguindo os partidos políticos.

Atribui-se a escolha do coronel à sua permanente atuação em prol do setor mineral no Ministério das Minas e Energia. Ele contribuiu para a redação do Decreto-lei n.º 227, o Código de Mineração, emendado em julho de 2017 para a criação da Agência Nacional de Mineração, pelo ex-presidente Michel Temer, Mader chegou já filiado à Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de sustentação do governo.

Na administração de Mader, em 1969 Rondônia já produzia 2.218 toneladas desse minério [em 2022 foram mais de 11 mil t], representando naquele período pós-pandemia 91,5% da produção beneficiada nacional. Atualmente o estado é o 1º do País; o Amazonas está em 2º lugar.

Por força da Portaria nº 195, editada pelo ministro das Minas e Energia Antônio Dias Leite, em 1970, essa atividade seria transferida para as mãos de poderosas empresas nacionais e estrangeiras, entre as quais a Brascan (Brasil-Canadá), Brumadinho, e ao grupo nacional Paranapanema.

Antigas áreas de mineração

Garimpeiros expulsos de lavras em aluviões cederiam espaço ao moderno maquinário levado por essas empresas para o meio da floresta.

Garimpo de cassiterita no município de Porto Velho, em 1968

Abunã, Ariquemes, Caritianas, Igarapé Preto, Jacundá, Oriente Novo, Santa Bárbara, São Carlos, São Domingos, São Lourenço, Maria Conga, Massangana e Porto Velho foram os locais das principais amostragens positivas descobertas entre o final dos anos 1960 e início de 1970.

Ocorrências minerais fizeram parte do reconhecimento geológico da Folha SC.20 Porto Velho, parte do Programa de Integração Nacional executado pelo Projeto Radambrasil. Algumas indicavam imensuráveis jazidas minerais, cujas pesquisas indicaram resultados que, inevitavelmente, substituiriam a lavra manual.

À época, o mapeamento geológico, com a interpretação preliminar das imagens de radar foram apresentados em mosaicos semi-controlados na escala de 1:250.000 e complementadas com imagens em infravermelho na escala de 1:130.000 e fotos multiespectrais na escala de 1:70.000.

Embora a descoberta dos depósitos de Rondônia tenha ocorrido no início dos anos 1950, a produção no território começou somente em 1959, quando foram obtidas dez toneladas de concentrado, lembra a pesquisadora Ananelia Marques Alves, do Instituto de Geociências do Departamento de Administração de Recursos Minerais da Universidade de Campinas (Unicamp), em tese de dissertação de mestrado apresentada em 1989.

E no campo mineral destacava-se nos anos 1970 o defensor dos direitos de empresas de mineração: Acir Bernardes.

Devastação e reflorestamento

No ano 2000, consequências da devastação causada pela exploração mineral em Rondônia entraram em pauta numa jornada ambiental organizada pelo Centro Espírita União do Vegetal no auditório do Tribunal de Contas de Rondônia.

Indagados a respeito de possíveis compensações por áreas destruídas desde os anos 1970, membros do Ministério Público Estadual responderam que eventuais pedidos de compensação deveriam ser feitos judicialmente a empresas que aqui atuavam, desde que devidamente acionadas.

Essa compensação viria na forma de reflorestamento de áreas, notadamente nos municípios de Porto Velho, Ariquemes e Itapoã do Oeste.

A avaliação deveria ser feita por equipes e laboratórios da Universidade Federal de Rondônia (UNIR).

Conforme o estudo do Cetem, dos 60 casos de recursos no País, 45 foram encaminhados ao Ministério Público Federal. Dos 15 termos de ajuste de conduta, Minas Gerais ficou em 1º lugar com 20% do total, significando 20 distintos estudos de caso, seguido, em 2º pelo Pará, com 15%, ou 15 estudos; Bahia, em 3º com 11%; em 4º Rio de Janeiro e Amapá, com 9%; Goiás, com 7%, em 5º; e Paraná, em sexto, com 5%.

Já Rondônia, São Paulo e Rio Grande do Sul aparecem em quatro verbetes cada (3,8%), seguidos de Ceará e Mato Grosso, com três estudos, e Amazonas, Roraima, Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte, com dois estudos. Sergipe, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo e Santa Catarina figuram em apenas um estudo de caso.

Principais prejuízos

O ecossistema foi afetado nas regiões estudadas (57 casos), havendo ainda: assoreamento de rios (36), poluição do ar (36), disposição inadequada de rejeitos e escórias (35), desmatamento (29), poluição do solo (27), poluição do lençol freático (26), impactos na paisagem (25) e extinção de espécies vegetais e/ou animais (22).

Finalmente, há queixas de agressões a áreas de preservação ambiental (11), extração ilegal de madeira nativa (8) e rompimento de barragens (7). Já os casos de minas abandonadas, utilização inapropriada de rejeitos e problemas relacionados ao fechamento de mina aparecem com seis ocorrências cada um.

A maioria dos empreendimentos estudados, um total de 105, são minas (58) e estão situadas em pequenos municípios com até 50 mil habitantes (69).  Setenta e cinco mantêm-se em funcionamento atualmente, e 72 têm mais de 20 anos de atividade. Apenas 13 estão em fase de projeto, e um foi impedido de funcionar por meio de mobilização da população local.

Os principais impactados pelas atividades de extração mineral estão situados em comunidades urbanas: é a população local (91) que mora no território minerado ou no entorno, existindo ainda diferentes grupos populacionais, como ribeirinhos (19), populações tradicionais (17) – como pescadores artesanais e quilombolas – e populações indígenas.

Fotos desta matéria:
Arte Andrey Mateus, Arquivo Dalton de Franco, Reprodução O Guaporé e Osvaldo Gilson Fonseca (IBGE)

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