O revés sofrido pela OAB-RO nos anos 1970 implicava a defesa da ética e das prerrogativas da classe. A violência atingia advogados militantes com atuação correta, porém, ameaçados de morte. “Eu mesmo só fiquei na região, porque não tinha medo de morrer”, declarava em 1979 o advogado pioneiro Alfredo Zuquim Neto, em Ji-Paraná, personagem frequente nos discursos do então deputado Jerônimo Santana (MDB) na Câmara dos Deputados.
Zuquim trabalhou desde a antiga Vila Rondônia, palco de conflitos sociais.
Ele foi um dos usuários de carro e de ônibus nos anos 1970, quando viajava até Cacoal e Vilhena para atender seus clientes. “Era uma tortura: tinha muita lama no inverno amazônico e poeira no verão” – ele relatava. “Pior mesmo era a viagem a Porto Velho, que podia durar dias e, às vezes, o juiz não estava!” – acrescentava o advogado.
Percebendo momentos tanto quanto desagradáveis e vislumbrando o futuro da classe, o advogado José de Abreu Bianco iniciou um movimento para criar a Associação dos Advogados de Ji-Paraná. Rapidamente, a entidade surgiu carregando o pesado fardo das queixas interioranas contra um território pobre em justiça.
Na divisa com o Estado de Mato Grosso nasceria outra entidade semelhante na cidade de Vilhena. Seu fundador foi o advogado Urano Freire de Moraes, igualmente notável nas exaustivas pelejas que aguardavam resultados positivos para atender ao menos aos escritórios de advocacia.
Melhorando a satisfação à clientela e a si próprios, advogados de Ji-Paraná e Vilhena postularam em seguida as subseções da OAB.
Por um período, José Bianco, futuro governador do estado, prestou serviços à Colonizadora Calama, cujo dono, o empresário paranaense João dos Santos Filho, fora morto a tiros por um pistoleiro durante a festa de São João em 1980.
As subseções da OAB contribuiriam para agilizar a tramitação de processos oriundos dos municípios da região de Ji-Paraná e outras circunvizinhas e atendidas por advogados em Cacoal, Pimenta Bueno e Vilhena. Em 1981 começaram a ser instalados os Tribunais do Júri.
Se existissem entre o final dos anos 1960 e início da década de 1970, certamente elas entrariam de cabeça nos conflitos fundiários de grande gravidade; fariam investigações dos tentáculos do narcotráfico; e zelariam pela integridade da mulher muito antes do advento da Lei Maria da Penha.
Alinham-se algumas situações escabrosas que dependiam diretamente da ação de advogados:
– O espancamento seguido de morte, do seringueiro Francisco Evangelista de Souza.
– O espancamento de Maria Edith Fonseca, grávida, fato denunciado no jornal Alto Madeira na edição de 19 de fevereiro de 1972.
– O assassinato de João Guaíra em Vilhena: antes ele fora preso pela polícia.
– A chacina de Vila Calama.
– O assassinato de Tito Brito Ferreira por policiais na Vila de Cacoal.
– A chacina de Vila Rondônia, onde jagunços do grupo José Gomes foram acusados de ensacar o cadáver de um homem e jogá-lo no Rio Machado.
– O assassinato do colono Pedro Pereira da Silva em Cacoal. Ele havia denunciado um despejo de famílias praticado por oito soldados armados de metralhadoras comandados pelo tenente PM Paraguaçu e acompanhados de perto por jagunços da família Góis e de José Marcolino Sobrinho.
– Naquele período, em 1977, o advogado e deputado federal Jerônimo Santana denunciava na Câmara dos Deputados que a própria polícia deu fuga aos matadores de Pedro Pereira. “Tanta parcialidade que nem inquérito foi aberto” – lamentava.
– O caso de Celina e Zenir Gorayeb, em que o policial Abelardo fora contratado para matar o marido de uma delas.
– O espancamento do traficante Natan em delegacia de Porto Velho.
– O assassinato de Carlos Coimbra na Delegacia de Polícia de Vila Rondônia.
Eleito para o triênio 1981-1983, o advogado Pedro Origa Neto colocava a OAB-RO na luta pela instalação de comarcas ao longo da BR-364. “Ausente a justiça, presente a fera vingadora privada, fazendo ruir a civilização. Presente a Justiça, ausente a fera e o exercício das próprias razões e presente o homem e a paz social” – ele discursava.
Ao mesmo tempo, a OAB-RO decidia criar sua Comissão de Direitos Humanos, que viria a funcionar no final do regime militar brasileiro, cujos hábitos e práticas de tortura haviam se tornado comuns em todo o País, inclusive em Rondônia.
A Ordem evoluiu. Na última semana de setembro de 2023, o Tribunal de Ética e Disciplina [TED] promoveu nas subseções no estado a Caravana Olho no Olho TED e Corregedoria, visando ao fortalecimento dos padrões éticos e disciplinares no exercício da advocacia.
“Tudo em conformidade com as diretrizes do Código de Ética e Disciplina da OAB”, frisou a presidente do TED Alessandra Rocan.
A caravana da OAB ao interior do estado marcou a criação das Ouvidorias Regionais, uma iniciativa da Corregedora e Ouvidora Geral, a fim de oferecer um atendimento ágil e eficaz à sociedade; orientações e esclarecimentos sobre questões éticas e disciplinares relacionadas à prática da advocacia.
O conselheiro federal Síldilon Maia Thomaz e o mestre e doutor em Direito Constitucional João Carlos Navarro participaram. Segundo Alessandra Rocan, a caravana buscou integrar as subseções com informações e ações educativas acerca das questões éticas e disciplinares da profissão.
“O papel do Tribunal não é apenas um órgão de punição; através de diretrizes e orientações claras, o TED busca contribuir para o aprimoramento dos advogados, oferecendo segurança jurídica e evitando infrações éticas”, ela disse.
“A procuradoria busca a excelência e a transparência, o que fortalece nossa capacidade de conduzir investigações e processos disciplinares de maneira mais eficiente e justa”, enfatizou o procurador-geral da Defensoria Dativa do TED, Dagoberto dos Santos.
Advogado homicida, não
No final do ano de 2023, a Seccional confirmou decisão da Câmara de Seleção e Habilitação que barrou a inscrição de um bacharel em direito condenado por homicídio doloso qualificado. A decisão ocorreu durante a 477ª sessão ordinária do Conselho Seccional.
“O relator do caso, conselheiro Éder Junior Matt, detalhou em seu voto que o candidato não cumpriu os requisitos necessários para a inscrição e foi considerado inidôneo. O crime ocorreu em outubro de 2004, sendo a vítima o enteado de 2 anos. O bacharel foi condenado a 19 anos e quatro meses de reclusão em regime inicial fechado” – informava a assessora de comunicação Ivanete Damasceno.
“O Conselho considerou a possibilidade da falta de reabilitação criminal e ressaltou a gravidade do crime, classificado como hediondo. A decisão, alinhada ao entendimento do relator, rejeitou as alegações do recorrente e reafirmou a posição da OAB em relação à idoneidade moral necessária para o exercício da advocacia.”
Os conselheiros presentes entenderam que permitir o ingresso do bacharel aos quadros da Ordem geraria um impacto negativo à imagem da advocacia, mencionado no voto do relator, que destaca a importância de manter padrões éticos elevados para exercer a profissão.
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Fotos: Assessoria de Comunicação da Seccional da OAB, Reprodução de jornais e Álbum Familiar
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