Professor concursado da Fundação Universidade Federal de Rondônia (Unir), Pedro Origa Neto, 76 anos, lecionou Direito e ali aposentou-se com R$ 2,3 mil por mês. “Saí no primeiro semestre após a chegada do celular em sala de aula.” Desistiu porque notou que seu ensinamento não teria a mesma eficácia de anteriormente e o uso do aparelho se tornou irreversível, a qualquer hora, mesmo dentro da sala de aula. Esta é a segunda parte da entrevista de Origa para a série OAB, 50 ANOS.
Corria o ano de 1981, advento do novo estado. Aos 34 anos, Origa presidia pela primeira vez a Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil. Foi procurador-geral do estado, assustando políticos ou apadrinhados acostumados ao tradicional e abusado “toma lá, dá cá.”
Ao comentar sua aposentadoria, ele dá a entender que “nem tudo é ruim no Ensino Público.” “Felizmente há compensações, e elas dão alegria”, resume. Assim, o advogado e ex-professor iniciou um levantamento para saber onde estavam seus ex-alunos, e aí se deu por satisfeito: “Alguns são juízes, outros, promotores.” Conforme avalia, o Curso de Direito na Unir “conseguiu influenciar a vida e a conduta de cada um.”
“Se o perfil (dos ex-alunos) fosse o de pessoa despreocupada com a sociedade, não haveria dissertações de meio ambiente, nem de sistema prisional”, justifica.
Em seus mandatos, Origa promoveu eventos notáveis com a participação de ex-presidentes da OAB. “Um período pós-Constituição, de Rondônia também.
Pedro fala:
“Quando procurador, arguiu várias inconstitucionalidades, entre elas, a do aumento do número de desembargadores, e a anistia do Iperon (Instituto de Previdência de Rondônia). E lutou incansavelmente durante o Governo Oswaldo Piana Filho para a criação da Defensoria Pública.
“NA OAB tive boas, poucas, porém, atuantes Comissões de Prerrogativas e de Direitos Humanos, entregue ao advogado Ernandes Segismundo, durante um encontro no (extinto) Café Santos, na Avenida 7 de Setembro”, comemora.
Hoje Origa combate “a polarização nojenta de direita e esquerda que desanima, porque precisamos de uma justiça que resolva os conflitos, e sem inventar a ‘desjudicialização’, ela serve mais a solucionar o que as empresas aéreas têm feito com a população. Assim, ele propõe a eleição de prioridades: “O que a OAB de Rondônia quer?”
Lembra emocionado a entrega do pedido de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Melo, por jovens advogados, “sem precisar quebrar nada, de maneira educada.”
Cauteloso, ele critica “essa atual desjudicialização”, entendendo não ser aquilo que se submete ao Poder Judiciário para a solução de problemas. “O ministro Flávio Dino (STF) já respondeu: grande parte dessas ações são movidas pelos partidos políticos. Quem edita as leis, na qualidade de representantes do povo? São eles, então é preciso mais cuidado ao elaborá-las.”
Lembra a contribuição rondoniense para a redação do Estatuto da Advocacia e da OAB e o debate a respeito do mandato de dois anos. “Nos meus foram dois, no Acre, o Aderbal ia, ia, ia…nossa exceção aqui foi o Heitor Lopes, só ele. Mudamos para três anos sem direito à reeleição.”
Aprovados “vazam”
A designação de juízes preocupa o ex-presidente Origa. No mais recente concurso em Porto Velho, mais de 20 aprovados teriam ido embora. “Candidatos de fora que vêm a Porto Velho fazer o concurso e não ficam aqui; em nossa época não era assim. Para piorar, a OAB nacional não fala um “a” sobre os problemas que nós enfrentamos”, queixa-se.
Origa conhece o tamanho do problema desde o século passado: em abril de 1981 ele recebia um telefonema da direção do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios noticiando o sancionamento da Lei nº 6891 (de 30 de março) autorizando a realização de concursos para provimento de cargos existentes.
“Medida altamente benéfica, pois permitirá a efetivação de provas nas capitais territoriais (Boa Vista, Macapá e Porto Velho), com acesso de pessoas ligadas à problemática regional”, frisava o ex-presidente.
Ou seja, a lógica do antigo discurso permaneceu viva ao longo do tempo: se antes, ter juízes suficientes era loteria, hoje a OAB vê passar ao lago a esnobação dos aprovados, com raras exceções.
Trinta anos do Estatuto
No dia 4 de julho deste 2024, o Conselho Federal celebrou os 30 anos do Estatuto da Advocacia e da OAB, instituído pela Lei 8.906/1994.
“A promulgação desse estatuto (Lei nº 8906/1994) em um período de redemocratização do Brasil, após anos de regime militar, estabeleceu um conjunto de normas que garantiram maior autonomia e respeito à profissão de advogado, refletindo a importância deste profissional na defesa dos direitos e garantias individuais e coletivos”, escreveu a conselheira estadual e Ouvidora da Mulher, advogada Iarlei de Jesus Ribeiro.
Ela lembrou que essa Lei se constitui “o pilar essencial para a advocacia e para a sociedade brasileira.” “O estatuto não só fortaleceu a profissão, mas também assegurou a proteção das prerrogativas dos advogados, fundamentais para o exercício pleno da defesa de seus constituintes.”
“Especificamente em Rondônia, a OAB tem desempenhado um papel ativo na promoção de políticas públicas e na defesa de direitos fundamentais, influenciando positivamente diversas áreas, como a educação, a saúde e os direitos humanos”, assinalou Iarlei Ribeiro.
Acrescentando: “Celebrar os 30 anos do Estatuto da Advocacia e da OAB junto com os 50 anos da OABRO é também uma oportunidade para refletir sobre os desafios futuros. A advocacia precisa continuar evoluindo para acompanhar as mudanças sociais, tecnológicas e jurídicas, mantendo-se firme na defesa da justiça e dos direitos dos cidadãos.”
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*Desjudicialização:
No site Migalhas, o advogado Jean Karlo Woiciechoski Mallmann, especialista em Direito Notarial e Registral, Constitucional, Tributário e Processual Civil, explica essa terminologia:
- Incorporou-se em nosso léxico o termo “desjudicialização”, como sinônimo de demanda, ação ou procedimento que outrora somente poderia ser resolvido ou presidido pelo Poder Judiciário, mas que, atualmente, pode ser resolvido de forma alternativa, sem a participação da Justiça.
- A Meta nº 9 para o Poder Judiciário, expedida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e aprovada para os anos de 2020 e 2021, por exemplo, estabelece que os Tribunais devem “realizar ações de prevenção e desjudicialização de litígios […]”. De acordo com o glossário da Meta, desjudicializar significa “reverter a judicialização excessiva a partir da prevenção, localizando a origem do problema e encontrando soluções pacíficas por meio de técnicas de conciliação ou mediação com atores do sistema de justiça, sem que cause impacto no acesso à justiça. A palavra desjudicialização tem natureza qualitativa e não quantitativa”.1
- O chamado fenômeno da “desjudicialização” é, pois, a solução que visa promover a resolução de conflitos sem que haja a compulsoriedade do ingresso de ação perante a esfera judicial, já tão sobrecarregada.
- Esse fenômeno pode ser visto na utilização de métodos alternativos de solução de conflitos (mediação, conciliação e arbitragem) e na transformação de procedimentos exclusivos do Poder Judiciário em procedimentos judiciais facultativos, como sói ocorrer com diversos procedimentos que podem ter seu direito integrado no âmbito das serventias extrajudiciais (tabelionatos e registros públicos).
- Ocorre que, em qualquer caso, o que temos não é a extinção do poder do Estado-Juiz de resolver certas demandas, o que, inclusive seria inconstitucional, em face do princípio da inafastabilidade do poder jurisdicional, que estabelece que “nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída do Poder Judiciário” (art. 5°, XXXV, CF).
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Edição de vídeo: Raíssa Dourado
Fotos: Arquivo Pedro Origa Neto, Reprodução O Guaporé, e Raíssa Dourado
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