Aos 76 anos, ele veio, viu, fez e venceu. Desde 1º de maio de 1971, o ex-presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil em Rondônia, Pedro Origa Neto, foi autor de capítulos empolgantes e exitosos na advocacia. Ao deixar a instituição, ele ocupou a Procuradoria-Geral do Estado na gestão de Jerônimo Garcia de Santana, confrontando a velha defesa de interesses pessoais e de grupos. O filho Pedro também seguiu a profissão.
Pedro na Procuradoria e seu colega Tadeu Fernandes na Secretaria de Justiça enfrentaram a mais acirrada disputa entre o Acre e Rondônia pela chamada “ponta do Abunã.”
Por ordens da governadora Yolanda Lima (assinava Fleming desde a separação de Geraldo Fleming) a Polícia Militar do Acre ocupava a Ponta do Abunã entre 1986 e 1987, durante o mandato-tampão do governador Ângelo Angelim, nomeado por ato presidencial.
No governo de Yolanda, o Acre instalara diversos órgãos administrativos naquela região; o seu banco estadual; unidades de saúde; companhias de energia elétrica e de águas; e o movimentado posto fazendário, conforme testemunha Aparecido Ferreira da Silva, ex-funcionário do Banco do Estado de Rondônia (Beron) e morador no Distrito de Extrema.
Neste vídeo, um pouco de Pedro Origa Neto
Depois de Rio Branco, a “ponta do Abunã” representava a segunda fonte de arrecadação e significativo colégio eleitoral com inscrições feitas então pelo TRE-AC.
Em seu governo, o advogado, ex-deputado federal e ex-prefeito de Porto Velho, Jerônimo Santana reagiu baixando decreto inédito, apenas com número, para a execução do plano sigiloso do resgate territorial.
Desencadeada a operação, o sigilo não mais se justificava, e aí o secretário Tadeu Fernandes foi nomeado coordenador das ações da retomada da área conflagrada – um trabalho de fôlego relembra Pedro Origa.
“Eu e o comandante da PM, coronel João Maria Sobral Carvalho, encaminhávamos relatórios e ofícios a Brasília; pessoalmente, nos dirigimos ao ministro das relações institucionais, general Bayma Denys, e ao ministro da Justiça, Oscar Dias Corrêa – sucedido por Saulo Ramos – sem qualquer resposta convincente.”
E aí Jerônimo entrou de sola anunciando projetos para a construção de escolas, hospitais, estradas rurais e pistas para aviões. Extrema e Nova Califórnia receberiam agências Beron, Caerd, DER Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), Ciretran), Emater, Companhia de Armazéns Gerais (Cagero), e Comissão Executiva dos Vales do Madeira, Guaporé e Mamoré (Cemaguam).
Pedro foi ainda professor de Direito na Universidade Federal de Rondônia (Unir). “Estou feliz quando vejo que ex-aluno fazem mestrado e doutorado; um deles, o Clóvis, ex-jornalista, é quase desembargador no Acre” – diz.
Luta pelo estado
“Respirei a OAB até 2012” – resume ao descrever seu conhecido amor à luta dos advogados. Pedro amargou quase quatro anos até a vitória da classe, em 1974, quando a Seccional fora finalmente aprovada pelo Conselho Federal.
Na gestão do presidente José Roberto Batochio no Conselho Federal, ele foi o primeiro e até hoje o único de Rondônia a ocupar o cargo de diretor-adjunto.
Em fevereiro de 1981, sempre presente na luta pela elevação de Rondônia estado, Pedro contava ao jornal “O Estado de S. Paulo” que seis dos sete municípios continuavam atrelados à Comarca de Porto Velho, onde 15 mil processos eleitorais permaneciam empilhados.
Lamentava: “Com apenas dois juízes de Direito e um temporário, a Justiça do Território está totalmente emperrada; há inquéritos que deram entrada em 1973 e até hoje (1981) não tiveram o encaminhamento inicial, principalmente pela dificuldade de levar até Porto Velho uma testemunha que se encontre a 800 quilômetros de distância.”
Em meados dos anos 1960, jovem acadêmico da 1ª turma da Faculdade de Direito de São José do Rio Preto e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – curso de Pedagogia, viajava diariamente 15 quilômetros com o colega Rubens Moreira Mendes, desde Mirassol a São José do Rio Preto.
“Tempo em que ter duas calças jeans e três camisas brancas sempre lavadas e passadas garantia a boa frequência à Faculdade” – conta nostálgico.
O pai de Pedro era o alfaiate Irineu Origa, casado com dona Aparecida Antunes Origa. Irineu e um irmão foram presos políticos.
Dona Rosalina, José Theophilo, e Douglacir
Entre xícaras de café capuccino e copos d’água, ele manifesta o reconhecimento maior a três pessoas: a saudosa esposa, dona Rosalina, e aos advogados Theophilo Fleury Netto, seu professor, e Douglacir Sant’Anna, sócio e companheiro de causas e lutas no escritório há 36 anos. Douglacir ainda advoga.
Origa formou-se em 1971 na Faculdade de Direito Riopretense na primeira turma. Ainda em Rio Preto, ele recebeu do advogado e professor a missão de vir resolver um problema da antiga Companhia Estanífera do Brasil (Cesbra), e da sede da empresa em Porto Velho telefonou para lá para tirar dúvidas no caso.
“Pedro, faça aquilo que lhe orientei: leia o texto legal seco, a doutrina e as poucas jurisprudências que você levou, porque se fosse para eu fazer, não lhe mandava para Porto Velho” – conta orgulhoso.
“Dona Rosalina me acompanhou em tudo desde o início enfrentando as dificuldades de Porto Velho, ela ia buscar água para casa lá na Caerd, no Bairro Triângulo.”
Além do racionamento d’água, Porto Velho enfrentava nos anos 1960 e 1970 outro tanto quanto preocupante: o de energia elétrica, então fornecida por usinas térmicas. “Mas era um tempo bom: trabalhávamos de manhã, parávamos ao meio-dia e só voltávamos depois das 14h; Rosalina foi uma guerreira, criou um filho, dois netos, um deles estudante de Direito na Universidade Católica.”
Theophylo Neto, graduado pela Faculdade de Direito da USP, turma de 1957, recebeu o Título de “Distinção da Espada e da Balança de Ouro” pela Ordem dos Advogados do Brasil, 22ª Seção, em 1987.
Desde a posse, alguns secretários olharam torto para ele. “Saí do cargo e aprendi muito”, conta abrindo uma caixa de papelão com diversas fotos. Alegra-se ao encontrar as mais significativas, entre elas, a que mostra ele, o advogado Douglacir.
“Ao nosso lado está o advogado Rochilmer Filho; ele era um garotinho quando desembarquei no Aeroporto Belmont, estava de calção e havia ido ver o desembarque do meia esquerda Edu, que jogou no Moto Clube e viajou comigo desde São Paulo.”
Não se esquece de quem o acolheu ao chegar à Capital rondoniense: o seringalista e minerador Moacir Motta. Seu Moacir, sempre brincalhão, perguntou-lhe uma ocasião se ele havia vindo para ficar, ou “estava passando apenas uma chuva.” E foi logo se prontificando a lhe ajudar, ordenando que passasse na casa dele no final do dia para receber o complemento financeiro do seu dia.
No entanto, Pedro nunca precisou além do forte apoio daquele notável personagem do ciclo mineral rondoniense.
Desde 1958 Pedro abrangia os mais variados ramos do Direito, mas se especializou em demandas de terras (possessórias, divisórias, demarcatórias, reivindicatórias), e na área societária.
Fala com emoção da participação feminina na Ordem, que já crescia durante seus mandatos, lembrando: Jane Mahione, Josélia Valentim, Lúcia Prieto, Maria José (de Pimenta Bueno, falecida), Maísa Maltez, Josely, Cássia, Rosa Nascimento, Rosa Tanaka, e a atual vice-presidente, Vera Paixão.
Uma página escaneada no computador mostra a 1ª edição de “O Movimento”, o jornal dos acadêmicos de São José do Rio Preto, do qual Pedro foi colaborador efetivo. Destaques: Ensino Gratuito, Anuidades e Liberdade – em plena instituição de ensino particular. “Tão realista e combativo que foi, não durou mais do que quatro edições”, lamenta.
Atualmente ele procura uma bibliotecária para reorganizar as salas onde repousam mais de mil livros e coleções de Direito, algumas obras de referência e raridades em qualquer escritório profissional – tudo catalogado com números, prateleiras e títulos.
Diversos tratados escritos por Jorge Miranda, Luiz da Cunha Gonçalves ali enriquecem o acervo com livros de Alemanha, Cuba, Itália, Espanha e Portugal. Entusiasmado, ele mostra o mais recente escrito por sua prima Monné de Oliveira: “Áreas contaminadas”, editado pela Lumen Juris.
Quando presidente, Pedro viveu um período às turras com o Poder Judiciário. Em agosto de 1981 ele assim reagiu em resposta ao diretor do Fórum Ruy Barbosa, juiz de Direito Augusto José Alves, que o questionara a respeito do que a OAB “fazia pela comunidade.”
“Não somos nenhuma entidade de caridade pública; nossa função é defender e disciplinar a classe dos advogados, atuando também no sentido de colaborar com as instituições jurídicas, não podendo legislar, nem nomear ninguém.”
Faltavam promotores, juízes, material humano, e Defensoria Pública. O debate se tornava acalorado. Em abril de 1981 o Fórum estava sem defensor, cargo seguidamente vago. Estagiários em férias preenchiam as vagas, ao mesmo tempo em que alguns advogados concordavam em atender a pessoas carentes, com prejuízos ao próprio bolso.
O diretor do Fórum, juiz Augusto Alves decidia o horário direto de funcionamento, das 7h às 13h. A OAB pedia a reconsideração da medida.
Em 9 de abril de 1981, Pedro anunciava ter recebido um telefonema da presidência do TJDFT dando a boa-nova: a sanção da Lei nº 6891, de 30 de março daquele ano, autorizando a realização de concursos públicos para provimento de cargos de juízes de Direito nos territórios até o preenchimento das vagas existentes. “Medida altamente benéfica”, ele frisava.
“Ditadura judicial”
“A história conta que, em 1964, o juiz federal Joel Quaresma de Moura declarava: “O caso especial do Território de Rondônia é flagrante exemplo de desatualização administrativa” – lembra Pedro.
Algum tempo atrás, ele fez declarações a respeito disso ao Centro de Documentação Histórica do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia.
“Doutor Quaresma dizia que as distâncias e as dificuldades de comunicação isolam a Justiça de 1ª Instância do tribunal que lhe é superior, trazendo o conformismo das partes e acomodação dos interesses a decisões dos juízes, as quais não são como deveriam ser, revistas, examinadas e corrigidas.”
Mão à palmatória: “Isso transforma a justiça, de dinâmica que é, em estática, instituindo uma verdadeira ditadura judicial, sem apelo e sem remédio” – afirmava o ex-juiz.
“Não é senão para evitar esse mal que a Constituição Brasileira impõe as normas a que deve obedecer a organização judiciária das unidades federadas; os seus dispositivos são determinantes que essa justiça seja composta de juízes de 1ª Instância e de uma 2ª Instância Colegiada abrangendo, uma e outra, o território de cada unidade” – ele advertia.
Quaresma fora algum tempo depois o segundo magistrado cassado pelo Ato Institucional nº 5 em Rondônia (reportagem nº 6 a respeito do AI-5). Ele deixava bem claro que “a boa ordem judiciária” não tinha execução “neste e nos demais territórios federais, devido à enorme distância, às dificuldades de comunicação, à falta de relação e ao isolamento em que se encontram a justiça e o povo, na sede do Tribunal que os deve julgar.”
Em 1982, o Conselho Federal da OAB reconhecia a situação anômala da não-existência no quadro da magistratura de juízes a serem promovidos. E oficiava ao ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel recomendando a iniciativa do governo “no sentido de providências legislativas que regularizem as nomeações e as enquadre nos preceitos constitucionais.”
Em fevereiro de 1991, Pedro pedia ao presidente do TJ, desembargador Dimas Ribeiro da Fonseca, a devolução dos prazos legais decorrentes da greve no Poder Judiciário. A paralisação ocorria principalmente no plantão vespertino, um obstáculo dos advogados.
Em novembro de 1992, o então secretário-chefe da Casa Civil, advogado Amadeu Guilherme Machado, solicitava estudos ao Procurador-Geral, João Ricardo Valle Machado, no sentido de criar e instalar a Defensoria Pública do Estado, com autonomia funcional e administrativa.
Dignidade humana
Pedro acessa arquivos em PDF no computador, pede um pendrive à secretária Valéria para resgatar centenas de documentos, recortes e páginas inteiras de jornal. E entrega seis folhas impressas aos repórteres: o artigo intitulado “A defesa da Constituição nas Cortes Supremas”, com autógrafo do ex-ministro Luiz Edson Fachin.
“(…) A Constituição Federal de 1988 erigiu como fundamento da República a dignidade da pessoa humana. (…) O desafio presente, além da efetividade, é dar fundamento substancial a tais direitos ou princípios, tornando-os aptos a serem sustentados pelas Cortes Constitucionais ou pelos responsáveis pela jurisdição constitucional.”
Juntas de Conciliação e Julgamento
A instalação de comarcas no Interior exigia a presença da Justiça Trabalhista. Nesse sentido, a OABRO indicava, em 1º de setembro de 1980, ao Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região a criação de Juntas de Conciliação e Julgamento.
“Polos cacaueiros, cafeeiros e núcleos industriais, definem a economia em nosso território, e isso exige justiça especializada para salvaguardar os interesses da população.”
Em 25 de setembro de 1981, Pedro nomeava, com base no regimento interno, a Comissão que estudaria e planejaria a criação da Casa do Advogado em Porto Velho. Integravam a Comissão os conselheiros: Aglais Marques Tabosa, Gilberto da Costa Cavalcante, Jônathas Hugo Parra Motta, Rosa Nascimento e Solon Michalski.
Em 1991, com o auditório do Senac lotado de juízes, advogados e estudantes de Direito, realizava-se o IV Congresso Estadual da Advocacia, no qual o presidente da OABSP, José Roberto Batochio alertava: “A inviolabilidade do advogado, garantida pela Constituição Brasileira, não é um privilégio que se deu à classe. Advogados são titulares dos direitos que defenderem em juízo, e não destinatários dessa inviolabilidade, porém, meros intermediários na sua função de contribuir para a realização da justiça no nosso sistema, que é o estado de direito democrático.”
Antes da Seccional, o Instituto dos Advogados
E lá para trás da história, a memória de Pedro ainda traz fatos relevantes: o Instituto dos Advogados, por exemplo.
Seus fundadores foram: Amadeu Guilherme Machado, José Mário Alves da Silva, Ney Leal, Nelson Santos Oliveira, Rubens Moreira Mendes e Pedro Olímpio.
“A iniciativa é tanto mais digna de nota porquanto nós, advogados, temos que permanecer com nossa capacidade de indignação integral, pelo que, por oportuno, lembro Gramsci (Antônio), escritor italiano, em sua obra “La cittá Futura”: “Odeio os indiferentes. Como Frederico Hebbel, acredito que viver é tomar partido. Não podem existir apenas homens, os estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão e partidário. Indiferença é abulia, é parasitismo, é covardia, não é vida. Por isso, odeio os indiferentes” – assinalava Pedro Origa.
“A indiferença é o peso morto da história. É a bola de chumbo para o inovador, é a matéria inerte na qual frequentemente se afogam os entusiasmos mais esplendorosos (…)”
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NOTA
Na persistente busca a documentos originais e recortes de jornais dos anos 1970 em diante, o advogado Pedro Origa e este repórter sofreram violento ataque de ácaros ocultos entre papéis, cartolinas e envelopes. Esses minúsculos e invisíveis aracnídeos nos importunaram durante mais de duas semanas. Felizmente vencemos.
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Edição de vídeo: Raíssa Dourado
Fotos: Arquivo Pessoal do advogado Pedro Origa e Raíssa Dourado
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