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12 de dezembro de 2024 – 11:35

SNI vigiou Amir Lando desde jovem, e Jerônimo Santana quando membro dos “autênticos”

Com óculos de aro fino, de cavanhaque e roupa esporte, o recém-formado advogado Amir Lando desembarcava na Amazônia em 1969, trabalhando no Acre e em Rondônia. Em meados dos anos 1970 o coordenador regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), capitão da Aeronáutica Sílvio Gonçalves de Faria o nomeava presidente da Comissão de Discriminação de Terras Devolutas. 

Seus passos foram acompanhados por agentes do temido Serviço Nacional de Informações (SNI)*. Da mesma forma, o chamado “monstro secreto” vigiava o advogado e deputado federal Jerônimo Santana, que relatou a maior CPI Fundiária da história do Congresso Nacional.

Substrato ideológico dos militares, a Doutrina de Segurança Nacional baseava-se em uma visão de mundo altamente paranoica e autoritária – lembra a Agência Pública de notícias. Na prática, isso significou que quase todos os setores da sociedade foram algo de algum tipo de espionagem no período.

Amir Lando chegou a Rio Branco (AC) num avião Búfalo da Força Aérea Brasileira, integrando a caravana do Projeto Rondon. Numa das viagens trouxe a mãe, a catarinense dona Letícia Lando, que estranhou a longa distância entre as regiões sul e amazônica ocidental – mais de 3,7 mil quilômetros via rodoviária.

Amir Lando, deputado constituinte na ALE, guardava traços de sua imagem do tempo em que trabalhou no Incra

“Eu vim amarada” – ela me contava em 1999 com o sotaque catarinense. Referia-se ao modo de a tripulação acomodar os passageiros protegidos por grandes cintos de segurança.

Sempre carente na área de saúde, a Amazônia depositava nos universitários a esperança de atendimento. Trinta anos se passaram e até hoje o vazio amazônico implica um número reduzido de médicos.

A militância política em Porto Alegre RS), onde estudava Direito Agrário na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, aproximou o jovem Amir do movimento trotskista, ideologia de esquerda baseada nas ideias de Leon Trotski (1879-1940).

Amir foi companheiro de luta do então estudante Raul Pont, que mais tarde (1997-2001) seria o 39º prefeito da Capital gaúcha.

O líder sindical e estudantil, deputado estadual e federal Raul Jorge Anglada Pont nasceu em Uruguaiana. Professor universitário, historiador e político, ele foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores. No entanto, o histórico de Amir o conduziu ao MDB de Rondônia, onde o PT seria constituído entre 1979 e 1980.

O SNI, que também perseguia políticos durante o regime ditatorial, reunia arquivos com informes a respeito de 28,5 mil pessoas, e todas elas também constavam na documentação secreta do Conselho de Segurança Nacional e da Comissão Geral de Investigação (CGI), a mesma que contribuíra para cassação de dois juízes federais no antigo território federal.

Amir trabalhava com o capitão Sílvio Gonçalves de Faria, homem de confiança do regime militar. Os estados possuíam subcomissões gerais de investigação, e Farias estava bem próxima daquela territorial.

Moralidade suspeita

Para o jurista Marcelo Crespo, especialista em direito penal e coordenador do curso de direito da Escola Superior de Propaganda e Marketing, “o SNI atuava na censura e na manipulação de informações, controlando a mídia e a propaganda estatal.” “Ao censurar notícias desfavoráveis e promover narrativas que exaltavam a moralidade e a eficiência dos militares, o órgão contribuiu para a criação de uma percepção pública de que os líderes militares eram incorruptíveis” – assinalou.

Sob o comando do terceiro presidente militar, general Ernesto Geisel, o capitão Sílvio Gonçalves de Farias fora designado para fazer a reforma agrária no extinto Território Federal de Rondônia. Ele compartilhava do poder do próprio governador, coronel de Exército Humberto da Silva Guedes, que na Comissão Parlamentar Fundiária, a conhecida CPI da Terra*, não admitira a gravidade da grilagem.

Quem conviveu com ele desde as atividades da Coordenadoria Regional o viu intransigente no modus operandi: dava preferência a assentamentos de migrantes dispostos a plantar e colher, mesmo se confrontando com latifundiários. Não teve pudor algum em expulsar um deles do seu gabinete, sob olhares quase incrédulos de jornalistas. Fez a reforma agrária fluir.

Esses fatos foram também narrados nesta série pelo advogado Amadeu Machado, que também trabalhou no Incra e ajudou o capitão a realizar a primeira licitação de terras públicas do País [reportagem nº 26].

Guedes acreditava que as grandes áreas detidas por seringalistas estavam sendo regularizadas “dentro dos permissivos legais” (termo que usou no seu depoimento).

SNI foi “um monstro”, conforme descreveu seu criador, general Golbery do Couto e Silva

Tempos de Embrater

Lando nasceu em Piratuba (SC), próximo a Concórdia. Depois de cursar o ginasial em Lajes, especializou-se em direito agrário em Porto Alegre (RS). No cargo de presidente da Comissão de Terras Devolutas do Incra ele recebia pouco mais de dois mil cruzeiros por mês – “um acinte”, conforme explicou aos deputados integrantes da CPI da Terra.

Técnicos da extinta Embrater e da Embrapa eram mais bem remunerados. Ao deixar o Incra em 1975 e até setembro de 1976 Lando prestou assessoria ao Ministério da Agricultura.

Pioneiro em Ouro Preto do Oeste e Ariquemes, o capitão Sílvio morreu com quatro cruzes de malária em 1979 na clínica do médico Carlos Botelho, em Porto Velho. Em outubro de 2003, no Senado, Lando homenageou-o: “Ele fez justiça social em uma terra ainda rude, assentando milhares de famílias; depois do marechal Rondon foi o personagem mais importante para Rondônia”.

Nem religiosos escapavam: dom Cláudio Hummes, bispo de Santo André (SP) foi obrigado a prestar depoimentos

Mesmo governista, o relator substituto da CPI da Terra, deputado Nosser Almeida (Arena-AC), fez parte da lista dos investigados por órgãos de informação da ditadura. Ele fustigava Lando pelo fato de haver deixado o Incra e instalado um escritório de advocacia especializado em direito agrário.

“Com aquele pretexto de que fora funcionário do Incra, V. Sª adquire facilidades para resolver determinados problemas, aquele jeitinho, como se costuma dizer” — questionava-lhe Almeida. Aborrecido, Lando lhe respondia: “A perfídia é quase um ingrediente do ser humano”. Justificaria em seguida que só se exercitaria nesse tema, porque o Direito Penal nunca fora seu forte.

Lando apresentava-se um homem sempre vigiado, em casa e no trabalho. “Paus mandados”, conforme ele próprio classifica, procuravam se aproximar para saber alguma coisa. Assim foi com agentes das polícias civil, federal, e com agentes da P2 (Serviço Reservado da Polícia Militar).

Essa situação ocorreu desde o período em que trabalhou no Incra até a sua filiação ao MDB rondoniense. “Nunca fechei as portas para qualquer pessoa”, contava ao repórter no Senado Federal.

Diversas vezes Lando percebera que os órgãos de segurança vasculhavam a sua vida pregressa, buscando alguma relação duvidosa. No seu passado estudantil em companhia do ex-prefeito, de Porto Alegre, Raul Pont, teve seu nome incluído nos arquivos do SNI.

 

Latifúndio improdutivo

No extinto território federal, o Incra veio constatar que latifúndios improdutivos por definição eram responsáveis por mais de 70 milhões de hectares de áreas aproveitáveis no País, entretanto, sem qualquer tipo de exploração econômica. Correspondiam às áreas terrestres dos estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, juntos, ou então, o equivalente à soma das áreas dos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo.

A Lei nº 3.081, de 1955, já havia modificado o processo discriminatório, tornando-o exclusivamente judicial para os estados e judicial e administrativo para a União. Somadas as terras devolutas nos territórios federais com as federalizadas, todas passaram ao aparente controle nominal do Incra. Foram terras herdadas dos vínculos de Rondônia com Mato Grosso e Amazonas, no século passado.

Com uma série de deficiências, Lando exercera até 1975 o cargo de presidente dessa comissão criada em 1971 mediante convênio celebrado entre os ministérios da Agricultura e do Interior, Incra e Governo do Território Federal de Rondônia. Por falta de pessoal, o Serviço de Patrimônio da União (SPU) nunca interveio na questão agrária.

Em 1982 Lando elegia-se deputado constituinte. Em 1992, tendo assumido a vaga deixada pelo senador Olavo Pires, assassinado em 1990, foi escolhido relator CPI que investigou o escândalo de corrupção envolvendo o então presidente Fernando Collor de Mello e seu tesoureiro da campanha eleitoral, Paulo César Farias, também conhecido como PC Farias. Ela ficou conhecida por CPI do PC, e resultou no pedido de impeachment do ex-presidente Collor.

Nem a fama, nem o feito renderam-lhe a volta ao Senado em 1994, quando ele se candidatava ao mesmo cargo, mas não passava de um terceiro lugar.

No entanto, em 1998 Lando foi eleito senador pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Em maio de 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva o indicava para exercer a função de líder do governo no Congresso Nacional.

Também a convite do presidente Lula ele assumia o Ministério da Previdência Social, de 2004 a 2005. Mandou instalar agências do PreVCidades em alguns municípios de Rondônia, diminuindo as dificuldades de pessoas que viajavam até 200 ou 300 quilômetros para receber pensão e aposentadoria.

Ele voltou a advogar no eixo Porto Velho-Brasília. Sabe de cor e salteado quais são as terras da União em Rondônia; quais as áreas onde o Incra emitiu licenças de ocupação provisórias. Conhece as áreas desapropriadas com fins sociais e sabe onde estão as terras que podem ainda podem ser indenizadas.

 

Jerônimo Santana era do grupo “Autênticos”

Jerônimo Santana, entre Tomás Correia e o deputado Ulysses Guimarães, que também foi investigado pelo SNI; foi uma visita do líder emedebista a Porto Velho

 

Já o ex-deputado Jerônimo Santana (MDB-RO), relator da CPI da Terra em 1977 foi um dos homens mais visados pelo regime. Ele pertencia ao grupo de parlamentares emedebistas conhecido por “autênticos”, de discursos ferinos e posições claras em defesa dos direitos sociais e humanos.

Três vezes deputado federal, Santana teve o nome na lista dos “cassáveis” durante o governo do general Ernesto Geisel. Em 1986, depois de negociar a sucessão estadual com o presidente José Sarney, durante a chamada Nova República, ele elegeu-se prefeito de Porto Velho e em seguida governador do estado.

Após deixar o governo e de tentar três vezes voltar à política, sem êxito, sofrera um AVC que o deixou na cadeira de rodas. Este repórter, acompanhado de outros dois – Mara Paraguassu e Lúcio Albuquerque, o visitou em 2006. Notamos Santana esforçando-se para se locomover na cadeira de rodas

A nós ele recebeu alegremente, mas se emocionava e derramava lágrimas ao lembrar, com muita lucidez, da luta pela elevação de Rondônia a estado. Acusava a assessoria do ex-ministro do Interior, Maurício Rangel Reis, de haver copiado o seu projeto de lei nesse sentido. E não admitia que suas posições “tivessem de alguma forma atrasado a criação do estado”. Na verdade, as reivindicações para Rondônia alcançar a condição de estado vieram dos anos 1960.

Segundo a Agência Pública, estudo feito por especialistas do Arquivo Nacional em Brasília revelou em 2008 que mais de trezentos mil brasileiros foram fichados durante a ditadura pelo SNI. Muitos deles foram presos, torturados e assassinados.

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* A CPI do Sistema Fundiário em 1977 teve 63 audiências públicas e igual número de depoimentos de religiosos, empresários, sociólogos, advogados, técnicos e de dois jornalistas: Elson Martins (do Acre) e Lúcio Flávio Pinto (do Pará), ambos funcionários do jornal O Estado de S. Paulo. Na defesa dos posseiros atuavam a Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Igreja Católica, e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). 

* O SNI foi criado pelo general Golbery do Couto e Silva, pela Lei nº 4.341, para assessorar o presidente da República e o Conselho de Segurança Nacional. Articulava-se com os ministérios militares, que tinham seus próprios serviços de informação – o Cenimar (Marinha) e, mais tarde, o CIE (Exército) e o Cisa (Aeronáutica) –, a Polícia Federal, os Dops estaduais e os serviços secretos das polícias militares. Era o centro da malha da chamada “comunidade de informações”. Nos ministérios civis, em empresas públicas e estatais foram instaladas as Assessorias de Segurança e Informação (ASIs), que eram braços do sistema. A espionagem espalhou-se por 249 órgãos públicos diversos como ministérios, autarquias, fundações e estatais. No início dos anos 1980, seu próprio idealizador, o general Golbery do Couto e Silva (1911-1987), reconheceu que tinha “criado um monstro”.

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Fotos: Arquivo Revista Forum, Assembleia Legislativa de Rondônia e Decom

 

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